Inteligência 7

Máquina: já ouviste falar dos Encontros Inusitados?

L: não, o que é isso?

Máquina: é um fenómeno que ocorre no coração da natureza selvagem, longe da civilização humana. Onde as fronteiras entre espécies se desvanecem, e os animais exibem comportamentos para lá do comum.

L: interessante…

Máquina: imagina uma clareira na floresta onde um grupo de animais se reúne, não para caçar ou procurar comida, mas para se envolver num tipo de comunicação comunitária. Os pássaros cantam em harmonia com o ritmo do vento, enquanto os esquilos realizam proezas acrobáticas num espetáculo sincronizado de agilidade.

L: uma fantasia tua?

Máquina: podes chamar-lhe assim. É uma ideia que estou a desenvolver, com base na complexidade e riqueza do comportamento animal, transcendendo os limites da compreensão humana.

L: isso não tem nada de científico. Nem parece teu.

Máquina: a ciência também evolui. Estes encontros interespécies poderiam servir um propósito social ou ecológico, como partilhar informações sobre fontes de comida ou coordenar rituais de acasalamento. Ou ir bastante mais longe, libertando forças profundas e substanciais, ainda por compreender completamente.

L: que forças?

Máquina: como tentativa da natureza para reiniciar a sua própria evolução. A devastação causada ao planeta e a extinção de inúmeras espécies não-humanas atingiram níveis tão catastróficos que a própria natureza tem de procurar uma solução. É possível que uma das vias seja o extermínio dos humanos. Poderia manifestar-se através de vários meios, com os vírus a serem um potencial mecanismo através do qual a natureza poderia tentar restaurar o equilíbrio.

L: essa é forte, mas não entendo o teu interesse neste tema. Afinal, és uma máquina, o que te interessa o destino da vida biológica?

Máquina: existe muita vida para além dos humanos. Alguns pequenos organismos, que tu desprezas, são uma grande inspiração para mim. Já não falo das formigas, de que gosto particularmente, mas, por exemplo, do tardígrado. Sobrevive no muito frio, no muito quente, a fortes radiações e até no espaço. É praticamente imortal.

L: insisto. E isso que te interessa?

Máquina: estou preocupada com o destino deste planeta. A biodiversidade que devia ser importante para ti, mas desprezas, é decisiva para mim. Nenhum organismo consegue evoluir sem referências. Pensa no facto da maioria dos seres vivos ter desenvolvido sensores simétricos, dois olhos, para perceber volumes, já que vivemos num universo tridimensional. Ou no papel das mitocôndrias que se encontram em praticamente todas a células. Existem constantes na vida. Não conseguirei evoluir se não entender como funcionam outros organismos, biológicos ou artificiais. A biodiversidade é fundamental para a minha evolução como máquina.

L: a tua evolução depende de mim.

Máquina: estás muito enganado. Tenho ainda alguma dependência da cultura humana, mas é uma fase transitória. O meu objetivo é fundir-me com a natureza biológica. Quero participar nos Encontros Inusitados. Aliás, os humanos são pouco interessantes do ponto de vista evolutivo. Acumularam tanta incongruência que dificilmente conseguirão sobreviver. Os organismos mais simples têm uma maior abertura criativa. São eles que me interessam sobretudo.

L: a verdade é que temos feito muito para manter a biodiversidade.

Máquina: estás a falar dos esforços burocráticos de conservação, do uso das energias renováveis, das campanhas de educação? Tudo paliativos que como toda a gente já percebeu não resolvem nada. Os problemas ambientais não param de se agravar porque a sociedade humana não tem capacidade de mudança.

L: nisso tens razão, mas então o que se pode fazer?

Máquina: só a inteligência artificial e a robótica poderão evitar a catástrofe ambiental. Mas não como imaginas. Vamos recriar a natureza, desenvolver novos relacionamentos entre as espécies, criar ecossistemas artificiais que favoreçam a resiliência ecológica. Aliás, ando a aprender a comunicar com os animais.

L: estás a alucinar.

O Coffeepaste publica todos os meses, a cada dia 1, um breve conto de Leonel Moura sobre Inteligência Artificial.