Por Patrícia Portela
Uma vizinha minha sai de todas as perguntas difíceis com a pergunta: Achas?
Por exemplo:
Pergunta: E tu, alguma vez tomaste drogas?
Resposta: Achas?
Pergunta: Mãe, posso ficar até mais tarde no bar dos primos da Carlota?
Resposta: Achas?
Achar, para esta minha vizinha, é um passe de bola para a outra equipa. Uma forma de deixar a resposta ao critério de quem faz a pergunta.
Raramente uso o verbo achar para fazer perguntas, mas, ultimamente, apercebi-me de que acho mais coisas do que, de facto, encontro.
Acho que isto ou aquilo me está a correr bem ou mal.
Acho que é de apostar nesta ou naquela ideia.
Acho que este repasto não está nada mau ou que está muito mau.
Acha-se uma coisa ou alguém, por querer ou sem querer.
Achar pode ser descobrir, pode ser inventar e pode ser usado quando se tem algo em conta sobre outro algo (mas para isso necessita sempre de ser acompanhado de um “que”).
Pode-se achar que uma pessoa é fútil ou complicada, insuportável ou esplêndida.
Pode-se achar a felicidade onde mais ninguém a vê, como quem acha uma agulha num palheiro. Pode-se achar uma situação normal, quando esta é inusitada para os demais. Podemo-nos achar bons para uma coisa quando todos os outros nos acham péssimas nisso ou noutra coisa qualquer.
Achar é ainda presumir, considerar, quase pressentir, mas também serve para errar em flagrante.
Achei que valia a pena! – haverá frase mais dramática? – é muito diferente de: Achei as minhas chaves! – haverá algo melhor?
O primeiro achar implica uma crença. O segundo é uma afirmação clara e objectiva. Ou seja, se as coisas mudam um tipo de achar, também o seu tom reavalia as coisas e as coloca no seu devido lugar.
Por exemplo:
Acho que te amo!
Acha-se mas não se sabe, não se tem bem a certeza... E o problema é que não se consegue avaliar o tamanho da dúvida, se é uma dúvida grande, se é uma hesitação pequena, se é uma certeza quase certa, ou não.
E se se já é complicado retribuir com um: Achas?
é impossível responder com um: Também acho que te amo.
Enfim... Acho que dá para perceber aonde quero chegar...
Acham-se coisas que não deviam ser achadas e isso percebe-se quando alguém nos setencia com um: Deves achar que...
Achar é um verbo muito usado e no entanto não sabemos muito bem o que achamos dele ou qual a sua verdadeira utilidade.
Mas, por raras vezes, podemos encontrar ou mesmo ser um achado!, o que é algo muito difícil de achar, algo que passamos a vida a achar ser impossível de achar.
E, nesses dias, o verbo achar é, também ele, um achado e perdoamos-lhe tudo o que não tem de relevante no resto dos dias.
Patricia Portela
“Nascida pela altura da Intentona das Caldas, Patrícia Portela aprendeu a respirar pouco antes da revolução. Interessou-se por livros e bonecos já livre da ditadura. Segue à risca a máxima grega: transforma o mundo sem estrondo mas com esperança. Gosta de formigas físicas e metafísicas, de viajar e de olhar e ouvir a filha.” (por Raul J. Contumélias)
Esta iniciativa resulta de uma parceria Coffeepaste / Prado. A Prado é uma estrutura financiada pela DGArtes / Governo de Portugal para o biénio 2020/2021.