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A AMPLA tem vindo a afirmar-se como uma mostra de cinema única em Portugal, ao apostar na inclusão como um dos seus pilares fundamentais. A mostra tem garantido, ao longo das suas edições, o acesso universal a filmes premiados, proporcionando uma experiência igualitária para todos os espectadores, incluindo pessoas com deficiência e Surdas.
Nesta entrevista ao Coffeepaste, a diretora da mostra, Rita Gonzalez, faz um balanço das edições passadas, revela os desafios e conquistas da quarta edição e discute a importância da acessibilidade no setor cinematográfico em Portugal. Entre a expansão da AMPLA para salas comerciais e a presença no MEO Videoclube, a iniciativa está a abrir caminho para uma mudança estrutural na forma como o cinema é consumido.
Falamos ainda sobre a curadoria dos filmes, o impacto da mostra junto do público e os objetivos futuros deste projeto que pretende transformar a acessibilidade cultural num direito efetivo.
Que balanço fazes das edições passadas da AMPLA?
O balanço é muito positivo. A Ampla veio para ficar, sentimos que é um evento relevante e necessário, que conquistou o seu próprio lugar, na medida em que, por um lado, permite que quem gosta de cinema e não consegue acompanhar os diferentes festivais possa ter acesso a uma seleção diversa e recente de filmes premiados, e, por outro, conta com uma programação de acesso universal, permitindo que todas as pessoas, incluindo as pessoas com deficiência e Surdas, possam usufruir do mesmo filme na mesma sala. Recebemos cerca de 800 pessoas na última edição, sendo que, aproximadamente, 10% foram pessoas com deficiência e Surdas. A AMPLA é pioneira em termos de oferta inclusiva de cinema em Portugal e, de edição para edição, tem conseguido levar cinema premiado a um público cada vez mais alargado, e os resultados das últimas edições são prova disso.
Quais foram os maiores desafios na organização desta 4.ª edição da AMPLA?
Um dos maiores desafios que acompanha desde o início a organização da AMPLA é a captação de financiamento, uma vez que a produção dos três recursos de acessibilidade disponibilizados (audiodescrição, Língua Gestual Portuguesa e legendas descritivas) representa um custo elevado dentro do orçamento da mostra. Outro dos grandes desafios é o tempo para a preparação da mostra, que se revela sempre muito curto, uma vez que mostramos os filmes que são premiados nos festivais do ano anterior e os últimos festivais decorrem ainda no mês de Novembro - e só nessa altura conseguimos fechar a programação - o que nos deixa muito pouco tempo para produzir todos os recursos até ao meio de Fevereiro. Um desafio específico desta 4ª edição é o facto de a mostra acontecer também fora do espaço da Culturgest, uma vez que, a partir de dia 20 Fevereiro, o filme OH CANADA, de Paul Schrader, vai estrear em todas as salas de cinema Castello Lopes com os recursos de acessibilidade já mencionados, mas disponibilizados através de uma aplicação de telemóvel. Para esta estreia, foi necessário envolver mais parceiros, fazer testes, pensar em suportes para os telemóveis na sala de cinema, desenhar outras peças de comunicação, para que a experiência nas salas possa ser a melhor possível para todas as pessoas - para aquelas que necessitam dos recursos mas também para aquelas que não necessitam.
Durante este mês, e através da parceria com a Fundação Meo, que financia a produção de todos os recursos de acessibilidade da AMPLA, vamos também poder entrar dentro da casa dos portugueses através do MEO videoclube, onde os recursos de alguns filmes (MAL VIVER, de João Canijo, CESÁRIA, de Ana Sofia Fonseca, e FECHAR OS OLHOS, de Victor Erice) estão também disponíveis através dessa mesma aplicação de telemóvel.
A inclusão é um dos pilares da AMPLA. Que feedback têm recebido das comunidades com necessidades específicas sobre os recursos de acessibilidade oferecidos?
O feedback que recebemos das diferentes comunidades é muito gratificante. Sentimos que temos um projeto que vai de encontro às necessidades das pessoas com deficiência e Surdas em termos de acesso à oferta cultural. Também sentimos que, ao longo destas quatro edições, a AMPLA tem vindo a adquirir cada vez mais notoriedade e um sinal disso mesmo é o facto de as pessoas já nos perguntarem, logo no início do ano, quando é que a AMPLA vai acontecer - acreditamos, pois, que este é um sinal de que estamos a fazer um trabalho relevante, por um lado, mas, por outro, é também o resultado de uma oferta consistente de programação acessível de cinema ao longo de 4 anos, em que vamos criando uma relação de proximidade com as pessoas com deficiência e Surdas que querem ver cinema e que vêm à AMPLA..
Como avalias o estado atual da acessibilidade nas salas de cinema em Portugal? O que ainda precisa de ser melhorado?
Há um longo caminho ainda a percorrer, mas que pode ser encurtado se houver vontade política, através de regulamentação por parte do Instituto do Cinema e do Audiovisual, e do envolvimento dos agentes da indústria, nomeadamente produtoras cinematográficas, distribuidores e exibidores. A dificuldade em termos de acesso físico às salas de cinema por parte das pessoas com mobilidade reduzida e de acesso à programação por parte das outras pessoas com deficiência e Surdas representa uma barreira enorme, limitadora da liberdade individual e uma violação a um direito que está contemplado na Constituição Portuguesa. Apesar de existir uma maior consciencialização sobre o tema, que permitiu a criação de algumas ações de acessibilidade muito pontuais em termos de oferta de programação de cinema, torna-se imprescindível apostar numa regulamentação que promova verdadeiramente a inclusão, tanto no cinema como no setor da cultura em geral, e que deve ser exigida tanto por pessoas com deficiência e Surdas, como por todas as outras pessoas.
Quais foram as maiores aprendizagens ou avanços que a AMPLA alcançou desde a sua primeira edição?
A maior aprendizagem que tivemos desde a primeira edição é a de que é possível realizar uma mostra acessível onde todas as pessoas possam estar na mesma sala e usufruir do mesmo filme.
Outra aprendizagem que retiramos é que são muito necessários este tipo de eventos para desmistificar preconceitos e discursos capacitistas relativamente às pessoas com deficiência e Surdas.
Um grande avanço na edição deste ano, tal como já referido antes, foi sairmos do contexto da Culturgest e irmos para as salas de cinema comerciais com a utilização de uma nova tecnologia, algo que é a primeira vez que está a acontecer em Portugal. E também o facto de uma plataforma video on demand, como é o caso do Meo videoclube, poder disponibilizar alguns filmes do seu catálogo com recursos de acessibilidade através da mesma aplicação.
Através da nossa programação paralela, dentro da qual temos realizado debates e conversas à volta do tema da acessibilidade audiovisual ao longo destas 4 edições, sentimos que contribuímos para a discussão sobre o tema, com o envolvimento dos players da indústria, do Instituto do Cinema e do Audiovisual, e das próprias pessoas com deficiência e Surdas, com o intuito de mostrar recursos, tecnologias e formas de implementação internacionais, como forma de responsabilizar e promover a tomada de ações concretas.
A seleção inclui filmes premiados em grandes festivais nacionais. Como é feito o processo de curadoria?
O ponto de partida é o conjunto de festivais internacionais que acontecem em território nacional e que são considerados prioritários pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ao todo são 15 festivais, mas não consideramos um deles, uma vez que é dirigido ao contexto escolar). Tendo em consideração os 14 festivais (AVANCA - Encontros Internacionais de Cinema, Televisão, Vídeo e Multimedia, Caminhos do Cinema Português, CINANIMA - Festival Internacional de Cinema de Animação, Doclisboa — Festival Internacional de Cinema Documental, FANTASPORTO - Festival Internacional de Cinema do Porto, FEST — Festival Novos Realizadores | Novo Cinema, INDIELISBOA - Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa, LEFFEST - Lisboa Film Festival, MDOC - Festival Internacional de Documentário de Melgaço, MONSTRA - Festival de Animação de Lisboa, MOTELX - Festival Internacional de Terror de Lisboa, Porto/Post/Doc, QUEER - Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde) fazemos a seleção dos filmes tendo em conta os prémios atribuídos no anterior ao da edição da AMPLA e os critérios de género e temáticas que temos definidos para a nossa programação, de forma a apresentarmos uma programação diversa e relevante. Tentamos sempre dar ênfase à produção nacional portuguesa, mas mostramos filmes de todo o mundo.
Uma preocupação que temos sempre presente é a de escolher filmes independentes que possam ser mais abrangentes, em termos de temática mas não só, para que possamos chegar a mais pessoas também.
Há algum filme ou sessão desta edição que tenha um significado especial para ti?
Gosto particularmente do filme dinamarquês Echo of You, de Zara Zerny, que retrata nove idosos dinamarqueses entre os 80 e os 100 anos. Pontuado por momentos oníricos e abstratos, o filme permite-nos aceder, de forma intimista e, ao mesmo tempo, sincera e direta, ao que os entrevistados pensam sobre o luto, as suas vidas amorosas, o envelhecimento e as suas perspetivas sobre a vida e a morte. É um filme sobre a perda, a finitude, mas também sobre o amor em letras grandes.
Como é que a mostra equilibra filmes mais desafiantes ou experimentais com conteúdos mais acessíveis ao grande público?
Procuramos sempre mostrar filmes independentes que possam ser mais abrangentes, mas não deixamos de escolher filmes mais desafiantes quer em termos de narrativas menos convencionais, quer em termos de abordagem visual, A diversidade está na essência da mostra e a oferta de 10 sessões permite ao público escolher o que quer assistir: temos desde sessões compostas apenas por curtas-metragens onde se misturam todos os géneros - imagem real, animação, ficção ou documentário - até a uma sessão de curtas metragens infantis e a uma longa-metragem de terror.
Já identificaram mudanças no perfil dos espectadores ao longo das edições?
Ao longo das três últimas edições, conseguimos efetivamente identificar algumas mudanças no perfil dos espectadores que nos visitam, nomeadamente junto do público com deficiência e Surdo. Como referi anteriormente, cerca de 10% do público da AMPLA são pessoas com deficiência e Surdas, e dentro desta percentagem encontram-se condições distintas. No primeiro ano, por exemplo, identificámos uma maior participação de pessoas cegas ou com baixa visão, no segundo tivemos maior participação de pessoas com paralisia cerebral e pessoas (crianças e adultos) com autismo e, nesta última edição, tivemos maior participação de pessoas Surdas e com deficiência auditiva. Temos consciência que levar estas pessoas a assistir a uma programação de cinema é algo que requer um trabalho contínuo, pois estiveram durante muito tempo afastadas da oferta cultural existente devido à ausência de recursos de acessibilidade.
Ao fazermos uma seleção de filmes que possam ser mais o mais abrangentes possível dentro dos filmes independentes premiados, estamos também a conseguir alcançar um maior número de potenciais espectadores.
Que impacto esperas que a AMPLA tenha na forma como o cinema é consumido em Portugal?
Queremos contribuir para a mudança. Queremos contribuir para que qualquer pessoa possa consumir programação de cinema - ou outra programação cultural - sem estar limitada a dias e sessões especiais e possa usufruir dessa mesma programação em pé de igualdade com todas as outras pessoas, através dos recursos produzidos. Relembro, mais uma vez, que o acesso de todas as pessoas à oferta cultural é um direito que está previsto na Constituição Portuguesa.
Além dos filmes, a mostra inclui debates e workshops. Como é que esses eventos complementam a experiência do público?
Faz todo o sentido contarmos com uma programação paralela na AMPLA. Dentro dela, conseguimos oferecer experiências formativas na área do cinema a todo o público interessado em formato de workshop (em parceria com a Academia Gerador).
Já os debates e conversas sobre a acessibilidade audiovisual, realizados em parceria com a Acesso Cultura, constituem um espaço onde as pessoas com deficiência e Surdas podem expressar as suas experiências e onde, através do envolvimento das instituições e dos agentes do meio cinematográfico, procuramos partilhar informação para sensibilizar e incentivar à tomada de acções em prol da acessibilidade e inclusão.
Integrada também na programação paralela deste ano temos, a partir de 20 de fevereiro, o filme OH CANADA nas salas de cinema Castello Lopes, que conta com os recursos de acessibilidade disponibilizados através de uma aplicação no telemóvel, permitindo uma experiência inclusiva e prática a todos os espectadores.
Quais são os planos ou desejos para o futuro da AMPLA? Há objetivos que ainda pretendam alcançar?
Temos 4 objetivos na mira: primeiro, receber cada vez mais pessoas com deficiência e Surdas na AMPLA, segundo, contribuirmos para a mudança em termos de acessibilidade nas salas de cinema, terceiro, provar que é possível fazer um evento 100% inclusivo e, por último, partilhar o conhecimento adquirido e contagiar outros eventos culturais para as questões da acessibilidade e inclusão.
O que te motiva, pessoalmente, a trabalhar num projeto como a AMPLA?
O que mais me motiva é poder contribuir para uma sociedade que seja mais justa e inclusiva, envolvendo diretamente as pessoas com deficiência e Surdas e as associações que as representam. Por outro lado, quero também sensibilizar as restantes pessoas, porque o acesso por parte das pessoas com deficiência e Surdas à oferta cultural é algo que deve ser exigido por todos. Só assim conseguiremos alcançar um verdadeiro sentido comunitário. Aproveito para falar na Petição “Pelo Direito de Acesso ao Cinema em Portugal” que visa garantir que a acessibilidade ao cinema seja um direito efetivo e regulamentado e convido todos os leitores a assiná-la, a partilhá-la, e a fazerem parte desta mudança. A petição encontra-se aqui: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=acessoaocinema
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