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É um mistério a razão pela qual James Mangold, um realizador sem qualquer marca identitária que nos permita identificar um critério para escolha dos seus filmes, nem nada de promissor nas suas opções, decidiu realizar um filme sobre um ícone do folk: Bob Dylan.
Nem é a primeira vez que se tenta chegar a Dylan. A título de exemplo, temos Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese (2019).
Certo é que, olhando para um percurso que não augura nada de especialmente interessante ou disruptivo, 'A complete unknown' acaba por surpreender.
O filme, baseado no livro 'Dylan Goes Electric!' (2015), de Elijah Wald, detém-se numa fase específica da vida do Sir Robert Zimmerman.
A película é centrada na vida do música a partir do momento em que chega a New Jersey à procura do seu ídolo, o cantor folk Woody Guthrie, hospitalizado devido à doença de Huntington. Muitos quilómetros de estrada depois, partilha a canção que compôs para Woody, 'Song to Woody':
"I'm out here a thousand miles from my home
Walkin' a road other men have gone down
I'm seein' your world of people and things
Your paupers and peasants and princes and kings
Hey, hey Woody Guthrie, I wrote you a song
'Bout a funny ol' world that's a-comin' along
Seems sick and it's hungry, it's tired and it's torn
It looks like it's a-dyin' and it's hardly been born
Hey, Woody Guthrie, but I know that you know
All the things that I'm a-sayin' and a-many times more
I'm a-singin' you this song, but I can't sing enough
'Cause there's not many men that done the things that you've done
A partir daí, há uma amizade que se vai construindo entre ambos e um horizonte na música que se abre. E, de algum modo, vamos sendo chamados a fazer parte dessa grande comunidade de músicos e letristas do folk. Neste filme, vamos acompanhando, também, uma série de acontecimentos que marcam a História dos EUA, como a marcha de Washington, a falácia da crise dos mísseis de Cuba, a morte de Kennedy, a Guerra no Vietname e que influenciam uma geração de artistas comprometidos com causas sociais e políticos.
O argumento tem várias dissemelhanças com a sua biografia, que tem dado bastante trabalho a construir, tendo em conta as versões contraditórias dadas pelo próprio Dylan, mas talvez esses detalhes não nos devam ocupar demasiado tempo. Ainda assim, de acordo com a narrativa, Bob Dylan, com a ajuda de Pete Seeger (interpretado por um Edward Norton ao nível que nos habituou), um cantor e ativista pelos direitos civis, que popularizou a canção "We shall overcome", foi começando a cantar em bares e festivais. O talento de Bobby Dylan não passou despercebido, a sua marca incontornável, como compositor e escritor de canções, foi ganhando lastro. Rapidamente Dylan se tornou uma referência incontornável no cenário folk nos EUA. O músico recusou mesmo, a dado momento, continuar refém de grandes produtoras como a Columbia que o queriam a fazer covers de músicas folk tradicionais. Bob acabaria por romper com as amarras do folk tradicional, introduzindo elementos do rock. O momento em que encerra o concerto no Festival de Newport, em 1972, um festival de folk de referência, acompanhado de mais músicos, com instrumentos eletrónicos, guitarras elétricas, em lugar da tradicional voz e guitarra acústica, é um ponto de ruptura. Johnny Cash gosta do ruído, mas muitos o vaiam pela ousadia, acusam-no de trair o folk, outros ficam deslumbrados por aquele som novo.
Dylan foi fazendo desses caminhos irregulares, na vida pessoal e artística, uma espécie de identidade, de irreverência desgrenhada como o seu cabelo tão bem ilustra.
O filme chama-se "A complete unknown" e essa é a marca que fica. De alguém que vai ousando as mudanças, entre ascensão e queda, entre o palco e a reclusão, preso num casulo solitário da qual só a música o liberta.
Talvez o filme dê menos espaço a esse lugar de sombra, não nos deixe submergir nesse silêncio onde Dylan cria. E a cor do filme não acompanha essa mudança que a interpretação do protagonista nos procura trazer. Falta-nos um pouco daquele noir que vemos no filme "Control", sobre Ian Curtis, vocalista dos Joy Division. Esse lado sombrio, lunar, de Dylan revela-se, mas não somos convidados a mergulhar nesse desconhecido e talvez seja deliberado.
Não se sabe de onde vem Dylan, nem para onde vai e esse é também um dos pontos chave que talvez pudesse ter sido desvelado por alguma ousadia formal que não se encontra.
Quem sabe quem é o homem antes do músico?
Sylvie, interpretada por uma Elle Fanning que sabe dar verosimilhança a esta mulher que tem o dom, apesar da sua aparente discrição, de ir levando um diletante pela mão, personagem baseada na sua ex mulher Sarah, a dado momento diz-lhe continuar sem saber quem ele é.
Joan Baez, encarnada por Monica Barbaro, com quem Dylan manteve uma relação intensa e tumultuosa, relação que permaneceu singular, sobretudo pela ligação que continuaram a estabelecer na música, num dos diálogos, pede-lhe que deixe de inventar tretas.
O engodo faz parte do jogo de Dylan.
Parece que se escuda, recorrentemente, no enigma. Ninguém parece conseguir descortinar a origem daquele homem que parece revelar-se apenas nas suas canções.
Dylan, neste guião, consegue existir, pela música, mesmo estando sempre nesse lugar de ninguém. E isso é, de algum modo, poderoso neste filme.
Dylan interpretado pelo talentoso Timothée Chalamet que traz aquela expressão de miúdo amuado, algo enigmático, sorumbático, vem com a guitarra e as canções de Dylan, canções que nos dá pela sua voz. Não é pouco. É imenso.
Dylan parece poder abandonar tudo a qualquer momento, a companheira, a mulher que ama, as causas que abraçou, os amigos e, por isso, também se pode sentir, a dado passo abandonado. Condenado por si mesmo, vive no dilema, na ambiguidade e é aí que também se encontra para criar.
Ainda assim, este Dylan, de Mangold, é que nos faz perder sempre este jogo com ele, um jogo onde ele nos ganha pela força das palavras.
"Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won't come again
And don't speak too soon
For the wheel's still in spin
And there's no tellin' who
That it's namin'
For the loser now
Will be later to win
For the times they are a-changin".
https://youtu.be/Q9_nWlSX6Us?si=GP6OimqlEd2Tkse8
Como diria Joan Baez a Dylan: "Ganhaste".
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