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Manhouce, nas terras altas de São Pedro do Sul, Viseu, recebe a edição de estreia do festival literário "A gente (não) lê" nos dias 16, 17 e 18 de junho. Conversámos com Marisa Araújo, dinamizadora do projecto, para saber mais sobre o evento.
Como surge a oportunidade de criar o festival literário "A gente (não) lê”?
Não diria bem oportunidade. Mais uma questão de vontade inicial que se conjugou com outras vontades no caminho. Tudo é mais difícil num contexto rural. Fazer um festival literário numa aldeia na serra não é o mesmo que numa cidade ou até numa vila. Mobilizar meios, pessoas, envolver entidades muito diferentes, estar-se disposto a correr o risco e até lidar com os elementos imprevisíveis das montanhas, com a geografia. Mas o ponto é que, a par da imensa racionalidade que tem de haver no processo, aquela loucura boa, a componente de sonho ou lírica. Porque um processo que nos faz trabalhar juntos com uma aldeia feliz por receber uma iniciativa deste género, é imensamente compensador. Aquilo de se fazer a diferença mesmo. De isso não ser uma abstração, uma expressão vaga, repetida.
Por que valores se pauta este festival?
Pauta-se por palavras muito bonitas e muito gratas: comunidade, pertença, cultura, raízes, orgulho. Pelo verbo maravilhoso que é o verbo ler. Pelos mundos que esse verbo breve abre.
Num meio rural como aquele em que estamos a fazer acontecer este festival, isso assume um significado maior. Muitos dos que estão nas cidades vieram de aldeias como Manhouce. Declinaram esse verbo precioso pela primeira vez em sítios longe como este. Não é ao acaso que o epicentro do festival é a Escola Primária de Manhouce.
O que destacas do programa?
Destaco tudo. Porque cada um dos momentos foi pensado com um sentido de harmonia. Lá está, como uma narrativa. Porque todas as pessoas que fazem parte deste festival nos são (muito) especiais.
Por isso, é vir e fazer parte de tudo. E também do tanto que não está no programa: a beleza muito fresca de Manhouce, as pessoas, a comida maravilhosa, todos os imponderáveis de qualquer coisa a acontecer.
Fala-nos da iniciativa “Livro Conduto”
Poesia pura, o Livro Conduto, um dos contributos muito bonitos do Rui Portulez para a programação do festival. Livros em partilha livre. As pessoas trazem livros e deixam-nos. Levam outros. Os que restarem desta partilha no final do festival, serão doados a Manhouce.
Em que vai consistir a homenagem a José Pinho?
A homenagem ao José foi a primeira coisa a ser desenhada. Falei-lhe do que estávamos a sonhar para lhe oferecer de presente e vi como ficou feliz, mesmo que tivesse percebido que o espírito dele não era bem esse de homenagens e tributos. Mais de fazer acontecer, por mais impossível ou louco que pudesse parecer. Mas iria acontecer no concelho onde nasceu. Percebi que tinha um significado especial.
Há um recital de cravo pela pianista grega Katerina Kabakli e poesia reunida pela Raquel Marinho em cumplicidade com a família do José e uma atuação de Isabel Silvestre e das Vozes de Manhouce, com repertório escolhido a pensar nele. E palavras. As palavras de quem o ama, admira.
Será bem difícil, por ele já não estar. Mas vamos celebrá-lo muito. Apoiou esta ideia desde o início, com aquele brilho nos olhos de que todos falam. Queremos (muito) estar à altura desse brilho.
É desejo que o Festival se torne um evento regular em Manhouce?
Sim. Muito. É a edição de estreia. Não temos coordenadas anteriores, mas a tal vontade inicial de que falava há pouco há-de fazer caminho, assim esperamos. Que se torne um hábito bom. Uma data que as pessoas assinalem nos seus calendários interiores.
É importante descentralizar?
Sempre foi, mas é mais importante do que nunca fazer acontecer em meios mais desfavorecidos, mais desertificados, onde as pessoas parecem voltadas a uma solidão que também não é uma abstração. A solidão de que fala a música que dá nome ao festival. O pensar persistentemente que se está longe de tudo e que a solução é ir também. Queremos muito contribuir para o amenizar dessa sensação de uma certa desesperança.
Este festival, para além de todos os óbvios, pretende que as pessoas que habitam todos os dias neste contexto tenham uma perspetiva renovada sobre si, sobre as suas tradições. Descentralizar passa por criar circunstâncias de aproximação entre mundos e contextos diferentes.
O que podemos fazer, além da realização de festivais como o "A gente (não) lê”, para aumentar os hábitos de leitura dos portugueses?
Antes de coordenar o projeto de desenvolvimento social que está a organizar este festival, era professora de Português. E aquilo que procurava fazer, para que os meus alunos lessem, era, muito simplesmente, dar-lhes o espaço para que acontecesse naturalmente. Primeiro, era importante que escrevessem. Que se expressassem, que sentissem necessidade de encontrar mais palavras para dizerem o que sentiam, o que pensavam. Começavam sempre por dizer que não escreviam nada de jeito, mas as coisas maravilhosas que eles escreveram, estão até hoje guardadas em mim. Foi um privilégio assistir a esses processos interiores. E líamos juntos, muitas vezes num dos jardins da escola, debaixo de uma árvore. Livros que nem faziam parte do programa, mas que acabavam por ir fazendo o seu caminho nos meus alunos.
Não acreditava na altura na imposição ou numa certa visão paternalista da leitura, que acaba por afastar, mais do que aproximar e não acredito agora. A leitura é um exercício de liberdade. Essa é, para mim, a premissa.
Por isso, um festival deste género, pensado para que as coisas aconteçam naturalmente, num cenário campestre, descontraído, de liberdade, lá está, poderá ter esse efeito e fazer com que as pessoas procurem o livro de um escritor ou escritora que ouviram no festival ou um poema que as fez querer mais. Ler pressupõe sempre esse querer mais. Uma vida não dá para ler tudo e isso é estranhamente libertador.
Que livro estás a ler neste momento?
Estou sempre entre dois livros. Neste momento, entre a biografia do Anthony Bourdain, Miserável no Paraíso e O quarto do bebé, da Anabela Mota Ribeiro, que estou quase a terminar.
E sempre, bocadinhos aleatórios de poesia durante o dia. Como se fosse uma espécie de medicação ou terapêutica. Um intervalo, no meio de todas as coisas à pressa que sempre têm os dias. Jorge Sousa Braga, Herberto Helder, Cláudia R. Sampaio, André Tecedeiro, Bukowski, Adília Lopes. Nunca conseguiria dizer todos.
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