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Em Companhia (2018), Ana Rita Teodoro, Clarissa Sacchelli, Daniel Pizamiglio, Filipe Pereira, João dos Santos Martins e Sabine Macher, convocavam-se à vez com a voz e respondiam com o corpo para completar pequenas danças, como se o impulso e a marcha dos acontecimentos fossem perguntas respondidas na figura do outro. Recíprocas, iniciativa e prontidão pareciam suficientes para aproveitar ações, orientar o grupo e assegurar um mundo.
Uma batata já lá estava, é certo, premonitória, à espera de negociações mais complexas e menos baseadas na vontade da 1.ª pessoa do singular. Sete anos depois, em Cooperativa (2025) (TBA, Lisboa, de 24 a 27 de abril, e no Circular Festival em setembro), o tubérculo ultrapassa a questão de cada um poder falar com o seu corpo até ao fim, para ampliar a pergunta: o que se traz, deve conservar ou comprometer, e que permite dizer Nosso?
De Projeto Continuado (2015) a Companhia (2018), citações trazidas no corpo para esta Cooperativa de dança, o modelo de governação é agora uma conversa física entre as hipóteses – reais ou idílicas – de dirigir em comum e sustentar o que se cria, ou queria, num organismo coletivo e compósito de gestos sociais e intenções particulares.
A partir de um monte, com uma certa solenidade e peso do leve, cada uma é retirada, atirada, transferida; passada entre todos como uma moeda vegetal e fração de partitura. Percebemos que não circula silenciosa e negoceia apenas a batata, quase promovida ao estatuto de ovo: é a própria performance, a autoria e o propósito.
Nem contrato escrito nem total coincidência, sob uma estética de improviso introduzem-se nuances e variações que acionam e refazem respostas, sequências, cordões humanos e correntes de dança. Entre os performers e o público (aliciado ou comprometido), a participação não se esgota na adesão mais ou menos espontânea: somos envolvidos numa rede de micro-decisões coreográficas que testam constantemente a auto-motivação e a disposição no espaço-tempo do trabalho e do conjunto. Uma comunhão de vontades e derivas que no seu melhor não permitirá sequer distinguir quem faz parte do núcleo duro da performance.
Entre a tecnologia analógica da batata e o fordismo empático, gera-se um movimento coletivo com um alcance simbólico que mede o peso real da Cooperativa sobre as circunstâncias. Juntos, por vezes tudo parece funcionar por um motivo que ninguém controla.
Haverá tempo para encostar uma ou outra ao ouvido, como um oráculo ou cancioneiro poético (possíveis hábitos de Leitura de Seres Vegetais (2020, Ana Rita Teodoro)); gerir o contrabando, dilemas físicos, turnos, epicentros e responsabilidades múltiplas que distribuem e embrulham a performance e a revolução numa trouxa, carregada às tantas como quem engravidou de uma ideia. Entre mãos e olhares que pedem e oferecem, cânticos de jorna e ecos de Abril, partilha-se o peso (literal) da causa e do batatal – imagens com corpo, vivas e coabitadas, da dependência e fragilidade dos ideais.
Mas esta mobilização total aliada à impressão de que nada se deve desperdiçar ou cair, também questiona: aderimos ou cedemos? Horizontalidade ou delegação? Convicção ou automatismo? Quem pode parar? De quem esperamos continuidade? Desejo ou dever? “A ideia de uma ideia que se move?”, pergunta a folha de sala.
Quentes e todas
A entrada em jogo e queda em tempo record da batata aquecida num holofote, depois servida, recorda outros aspetos dos grandes movimentos: em teoria comemos juntos; na prática comem todos. Se o lamento quando caem ao chão já não é só pela perda do exemplar, mas também pela interrupção de uma ficção que protegia um destino comum desconhecido – para quem se queira apenas livrar da própria participação, pode representar um alívio secreto e libertação desta máquina. Prosseguimos por inércia, altruísmo ou inibição para parar? Paramos por cansaço, indecisão ou sabotagem? O que deu quem não queria dar? Se nada obriga, porquê cooperar?
Talvez por isso, quando as portas simplesmente se abrem no final para legar e confiar que algo continua, a união pareça mais exposta à crueza da sala, à fadiga revolucionária; à impressão de desmobilização física e existencial. Como quem diz que o todo só resiste lá fora, sem pretextos, com adesão pessoal. Que se pode aderir, sem cooperar. Cooperar sem aderir – afinal a mesma matéria que permite que cada sessão seja apresentada pelos seis, pelo público, ou por todos, numa obra generosa em lidar com a sua própria ciência política: expor-se a quantos são precisos para gerar a mudança. Cada gesto um voto.
Ao converter um objeto comum em bem comum, a revolução num quotidiano, no conjunto há qualquer coisa de Judson Dance Theater e qualquer coisa de Torre Bela: um ritual de desvio e aproximação constantes da utopia performativa e participativa, através de um grupo que empresta corpo ao vegetal, e na volta confunde-se com não poder continuar sem aquela missão de repetir e insistir, no que vale a pena não deixar cair.
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