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Carta a Mafalda

Por

 

Raquel Medeiros
6 de Dezembro de 2024

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Carta a Mafalda

Era uma terra nova, pronta para ser explorada e que queria ser estudada, com as mãos, com os pés, com o nariz e até com a boca. Todos os sentidos foram ativados através da bruma que criaste, que nos seduziu a explorar passo a passo, os objetos dispostos em campo, sempre guiados por uma voz que sussurrava prudência. Vieste com amigos, que apresentaste e se apresentaram. Edificaram-se os verbos de encher, brancos e mestiços, que usam brincos, anéis, fuck offs e cores claras. Eles guiaram-nos até à terra de ninguém e de toda a gente. Uma língua, áspera dura e gigante. Uma “Ponte sobre uma lagoa de lírios d’água”, mas sem os lírios pintados por Monet. O quente e o frio estavam lá, a ocupar esse lugar, num encontro premeditado, onde o degelo queria ser o centro da conversa, mas também era citação.


Isto foi o que nos quiseste mostrar com sentido, tudo o resto ficou por nossa conta. Vadios rafeiros com sarna não entram para dentro de casa e foi o que aconteceu. Ficamos na rua. Leste os diários, cantaste, olhaste para o céu. Eu olhei para baixo. Se me abriste a porta, deixa-me entrar. Deixa-me entrar verdadeiramente e não ao engano. Absorvidos, vários, eram vocês quem dominava o território que pisávamos, mas esqueceram-se de o tratar, para podermos caminhar nele.


Falaste da mulher, das mulheres e dos homens. Falaste de sexo, do sexo, do interno e do externo. Foram expostas várias e difíceis noções, de ti, do mundo, de ti no mundo e de ti sem o mundo. Percebemos que este não pode ser um jogo matemático. A cultura a que nos expões serve e servirá sempre para apimentar a vivência humana, mas temos de olhá-la. Queremos sempre o mau e o bom, o culpado e o inocente, o céu e a terra, o homem e a mulher. Estas são contas fáceis, porque não causam um maior transtorno do que aquilo que já era esperado. Neste tipo de divisões, não existem surpresas. Mas se um dia suceder, de alguns homens ficarem com a cabeça nos pés e outros ganharem três fígados no peito, o que será da ciência matemática nesse instante?


Caminhamos e andamos. Sentamo-nos e sentados ficamos. Ouvimos Miley Cyrus e Hannah Montana e voltamos a levantar. Sentamo-nos novamente. Vozes, palavras, frases, histórias, stories, apontamentos, ecrãs, choros, risinhos. Levantamos e voltamos a sentar.  O cansaço tornou-se o convidado de honra, ainda que tenha chegado sem convite. Voltamos a escutar Miley Cyrus e percebo que parte da tua cativação surge de os outros refletirem sobre ela, uma grande figura internacional. De forma mais inocente ou mais consciente colocam-na num pedestal a um nível estratosférico inalcançável. Devo dizer-te que me pinto como cética. Criaste uma barreira que não me permitiu ver-te. Sentir é sempre um exercício tão intenso que, às vezes, tem de ser condicionado no espaço de quatro paredes, para ganhar forma e poder. Decidiste deixar a porta aberta. Escolheste abrir a janela e algo escapou. Continuo sentada, no mesmo sítio, à espera que passes. Sempre invejei quem vive das suas loucuras. De certo modo, fazem aquilo que o seu instinto lhes diz. Se calhar era esse o perverso objetivo. Enlouquecer-nos, porque não sabemos mais como agir e como estar. Talvez saibamos o que queremos, mas não temos coragem de o fazer, pelo respeito que sentimos e que queremos manter, pela vontade de não te invadir e comer de ti, tudo o que gostarias de saborear. Não sei.


Continuo aqui sentada e ainda estou à tua espera. Busco o teu rosto na cara de todos os homens e mulheres que passam. Em vão. fugi pela janela. Queria saber de ti. Do que gostas, como comes, como cheiras. Quero ouvir o som dos teus órgãos, mas apenas escuto um vazio que tenta ter voz. O Djset, os sons causados por nós e a música personificaram a dissimulada vontade de comunicar. Quero sugar o conhecimento do teu corpo e perco-me nos meus pensamentos e nos meus sentires. Quase te conheço, mas essa não é a intenção, nunca foi, não o permitiste, mas também não o tinhas de fazer, aliás, chegaste a querer? Ainda assim também é maravilhosa esta vontade que eu tenho de escrever-te.


Crítica apresentada no Seminário de Escrita Crítica para Artes Performativas, orientado por Rui Catalão, que decorreu nos dois fins-de-semana do #ETFEST 2024, festival onde são apresentados os projetos vencedores das Bolsas de Criação d'O Espaço do Tempo, com o apoio do BPI e da Fundação "la Caixa". Nos dias 29 e 30 de novembro, os participantes tiveram a oportunidade de assistir às estreias absolutas de FLOWERS!, de Mafalda Banquart / silentparty, e cão de sete patas, de Bibi Dória.

 

Foto: Ana Lopes

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