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Cartas ao Panteão

Cartas ao Panteão (XX)

Por

 

Ricardo Cabaça
26 de Junho de 2024

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Cartas ao Panteão (XX)

Meu caro Mayorga,

 

É sempre um prazer escrever uma carta a um velho amigo, mesmo que não saibamos com exatidão quando começou esta amizade, quer dizer, sei que foi logo quando li a tua primeira peça, talvez Cartas de amor a Staline, talvez O rapaz da última fila, o importante é que ficou para a vida, como o amor que temos a alguma coisa de que gostamos muito. Acredito muito no poder da amizade, não só pela companhia e pela partilha de coisas belas, mas sobretudo pela oportunidade que temos de admirar um amigo pelas obras grandiosas que coloca no mundo.


Assumo que passaste a ser um vício na minha vida, qualquer coisa a que é impossível voltar as costas, então li tudo o que escreveste, comprei os teus livros, sentindo sempre que precisava de mais palavras tuas para que o mundo fizesse sentido. É tão reconfortante quando aprendemos com um amigo a olhar a realidade de outra forma, como isso nos transforma em pessoas mais capazes e sensíveis. Para mim a dramaturgia passou a ter duas eras: antes de Mayorga e depois de Mayorga. Acredita que não é exagerado quando sublinho uma afirmação desta natureza, pois é uma verdade intensa e inegável.


Querido Juan, como sabes, dou aulas de dramaturgia, e tu és com toda a certeza o dramaturgo que eu mais cito, aquele que eu mais aconselho na vivacidade das personagens, na riqueza do ponto de vista, ou ainda, pela originalidade das tuas histórias, não esquecendo, obviamente, a perfídia de algumas das tuas personagens. Falo sempre de forma apaixonada do teu Caminho do céu, uma das peças mais geniais que eu conheço, onde a delicadeza, a surpresa, a encenação presente no próprio texto, o ponto de vista escolhido para falar do Holocausto, são aspetos mágicos que resultaram numa peça simplesmente maravilhosa. Não vale a pena falar sobre o texto, ambos conhecêmo-lo muito bem, mas a leitura desta peça abriu uma nova perspetiva dentro de mim, sobretudo como leitor de dramaturgia, pois a forma absolutamente inovadora como desenvolves o ponto de vista do comandante do campo, assinalando a sua crueldade pela encenação de um cenário idílico dentro de um campo de concentração, é uma maneira inteligente de falar sobre o mal por outro caminho, não evidente e original. Esta peça tomou-me para sempre, deixou em mim uma marca que perdura até hoje. Em boa verdade, durante anos caminhei obstinado com a ideia de encenar Caminho do céu, mas nunca encontrei a altura ideal. Talvez um dia possamos estar na primeira fila a assistir a esse acontecimento.


Podia falar-te de muitos outros textos, aliás, podia falar-te de todos os teus textos, mas não quero parecer um fã que cita de cor todos os poemas, músicas ou livros. Fecho este capítulo para partilhar contigo um fenómeno muito curioso, algo que percorreu o mundo e colocou o xadrez a ser falado e apreciado como nunca. Há uns anos estreou uma série chamada O Gambito da Dama, um trabalho que fala sobre uma jogadora de xadrez que se tornou campeã do mundo. A série está bem escrita, com um elenco apreciável, além de colocar uma tónica no xadrez até certo ponto interessante, no entanto, não deixa de ir ao encontro dos clichés do génio, sobretudo pelas visões que Beth, a jogadora, tinha das jogadas ao olhar para aquilo que estava à sua volta. Lembro-me de ter falado muito sobre a série, não só por ser igualmente um jogador de xadrez e ter participado em campeonatos, mas pelo prazer de compará-la com a tua peça Reiquiavique - mais uma vez o ponto de vista! -, um texto soberbo que aborda o embate mítico entre Spasky e Fischer, mas que, na verdade, a tua peça vai muito além do jogo, a tua peça fala sobre a Guerra Fria e a importância que aquela final tinha para as duas potências nucleares. Se há objeto artístico que seja um hino ao xadrez, então ele tem de ser Reiquiavique.


Querido Juan Mayorga, há imenso tempo que não trocávamos correspondência, infelizmente a vida tem escolhas sobre as quais não temos grande poder, no entanto, passados mais de dez anos dos emails e cartas trocados, parece que foi ontem que enviei para ti, timidamente, o primeiro email. Confesso que não cheguei a fazer a tese de mestrado sobre o teu trabalho, os meus projetos artísticos obrigaram-me a seguir outro caminho, desistindo inevitavelmente do mestrado, porém, este ano vou retomar para terminá-lo. Perdoa-me por não seres, desta vez, o meu objeto de estudo, mas acredita que estarás em cada linha, em cada reflexão. Se eu amo profundamente a dramaturgia, uma das razões para que isso seja uma realidade é a tua obra e o teu pensamento.


Aproveito para dar-te os parabéns pelo cargo de direção artística no Teatro La Abadia, uma  amiga espanhola que vive em Madrid está sempre a fazer relatos detalhados da programação. Espero estar um dia na primeira fila, ao teu lado, para assistir ao sucesso de uma estreia de um espetáculo teu, e no final dar-te um abraço caloroso.

 

Um abraço afetuoso do teu amigo e admirador,

Ricardo Cabaça

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