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Estudo performativo e gráfico sobre a interdependência humana, Forces of Nature de Ivana Müller escala as contrariedades e peripécias de seguir entre a relutância pessoal e o ensejo coletivo.
O coro inicial de Forces of nature desarma pelo tom de caravana e teor das queixas (anos por “dormir, comer, foder, ou viajar” e “uma vida que se esvai”), o putativo drama de 5 bailarinos umbilicalmente ligados por uma corda de escalada, condenados a entenderem-se no palco do teatro Joaquim Benite (10 de maio), no contexto da Transborda 2024 – Mostra Internacional de Artes Performativas de Almada.
O cordão humano, normalmente associado a boas causas, cose o retrato de um ambiente social em que cada um puxa por si, expressão coloquial convertida aqui com eficácia em dispositivo coreográfico para compor sobre a relação implosiva e dependente do ego com o exterior.
A contingência do círculo explora o equilíbrio mais ou menos invisível entre a passividade e o dirigismo sonso do movimento. A gestão do entrelace que passa por todos e une o grupo, sujeita o outro a um sentido teleguiado, e todos à tensão de exercer e sofrer uma pressão constante e subtil. Pela teimosia do passeio solitário ou pela dissimulação coletiva de ignorar a direção a seguir, a comicidade, tropeços e micro-disputas são a cola de um grupo movido a arranques de todos os lados, para lado nenhum.
Se inicialmente o emaranhado colorido faz o levantamento cartográfico no chão dos avanços nas negociações e da escrita coreográfica, é a três dimensões da montanha de filamentos erguida pela grua ao centro, que a expedição prossegue.
A geografia como fronteira especulativa recorda a dança como grafia do espaço (a pensar em Laban). Se no primeiro caso, como na peça, podemos falar de localização “entre o imaginário e o oficial”, a dança cogita a fronteira entre o gesto, o rascunho, o processo, e a obra – sinalizando os fantasmas da criação.
Na cordilheira de cordas atravessada pelos cinco em alpinismo horizontal, a voz da frente dá-se ao eco imitado pelos companheiros, possível metáfora da sujeição pessoal ao ouvido deturpado do grupo, que converte o ‘We should not be scared”, num esbatido “be scared, be scared, be scared”. A ilusão de coesão do(s) coletivo(s) é destapada na perfeição, como na imagem oferecida pela sugestão de se dirigirem de olhos fechados para o pôr-do-sol – cada um dirigindo-se ao seu.
O networking intensivo retrata um aspeto ensimesmado e fabril da colaboração liberal, presente no discurso auto-motivacional e no marketing pessoal dos personagens. Pelo meio desabafa-se a pulsão estéril de gerar “lixo estético” e exprimem-se dúvidas sobre a razão de agir (“Qual é o animal mais eficiente”?” “Porque é que a formiga havia de continuar sem cabeça”?).
As questões cumprem a pesquisa da coreógrafa croata sobre o ethos do valor, o espaço físico, social e ambiental. Sinalizam as promessas do vazio com a atmosfera da firma que recorda aos funcionários que nesta empresa somos uma família. Na sua melhor expressão, um dos expedicionários tomba e sugere à equipa continuar – hipótese rejeitada em uníssono, como se fosse realmente uma opção das cordas –, traduzindo o oportunismo em solidariedade aterrorizada pela hipótese de arrastar um peso morto.
Parte propositada do efeito auto-irónico da peça reside num amparo em pesquisas etimológicas, referências, piadas e curiosidades enciclopédicas (que fazem às tantas ouvir um So what? atrás de nós na plateia), que por vezes distraem do exercício, descrevem-no ou dispersam a possibilidade de ampliar o alcance simbólico das cordas – aspeto percetível no silêncio final com que o grupo desmonta a estrutura e evoca com sentido e gravitas um espírito coletivo, em paz com a concretude indizível da performance e da matéria. Um silêncio que permite descer aos objetos e equipará-los ao corpo, retomando o destino comum. “É reconfortante saber que estão vivos”.
13 de maio de 2024, 19:40
Imagem por Alix Boillot
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