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Fragilidade e fortaleza

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Afonso Becerra de Becerreá
16 de Fevereiro de 2024

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Fragilidade e fortaleza

Anda, Diana de Diana Niepce, com Bartosz Ostrowski e Joãozinho da Costa, é um dos espetáculos mais fortes que tenho visto, no que diz respeito ao impacto emocional. Diana Niepce é uma bailarina e coreógrafa que, após um acidente ao cair de um trapézio, ficou com uma lesão medular. Em Anda, Diana faz um trio com um bailarino negro e outro louro, num jogo de contrastes em que também o volume dos corpos deles, homens altos e grandes, face ao dela, pequena e magra, gera uma tensão magnética.


A peça está constituída maioritariamente por diferentes e belos “portés”, em que eles manipulam o corpo dela. Nesse jogo de contrastes é ela quem parece possuir a olhada mais expressiva e humana, face à deles que fica numa neutralidade severa. A fragilidade extrema do corpo e dos movimentos de Diana contrasta com a enorme corporalidade dos dois bailarinos, embora a presença maior acabe por ser a dela.


Não há humor em nenhum momento, não há nenhuma concessão à comicidade nem à alegria. A música e os silêncios estão preenchidos por uma atenção tensa, que, para mim, é angustiante, porque se pode sentir uma fragilidade que ultrapassa o humano na sua aparência habitual. A energia, a ilusão, a vontade, tudo o que pode constituir o ser, mora num estar débil e quebradiço. Porém, trata-se de uma energia e uma vontade titânicas e heroicas.


É inevitável pensar em que uma boa parte da impressão que produz este Anda, Diana vem dada pelo facto, difícil de acreditar, de vermos dançar a uma artista que tinha acordado tetraplégica depois de uma queda. Mas este pensamento deve-se ao preconceito instituído pela normatividade dos corpos e da sua psicomotricidade, considerados adequados e aceites para a dança e até para a vida. Corpos e psicomotricidades que, porém, acabam por levar-nos sempre aos mesmos lugares. Não acontece isto com a obra de Diana Niepce, igual ao que não acontecia com as peças que pude ver de Raimund Hoghe [Wuppertal, 1949 – Düsseldorf, 2021] (jornalista e, depois, dramaturgo de Pina Bausch, em 80s, depois coreógrafo e bailarino, nascido com a coluna vertebral deformada), ou com as criadas por coreógrafas e coreógrafos conceituados junto do elenco da companhia portuguesa Dançando com a Diferença.


No final da récita de Anda, Diana, com todo o público em pé a bater palmas, a emoção ainda foi maior quando Diana Niepce, nos agradecimentos, fez homenagem à bailarina Mickaella Dantas, falecida esse mesmo dia, sábado, 10 de fevereiro, para lembrar-nos o importante que é olhar e escutar, apreciar a quem temos connosco, antes que já não esteja.


Acho que, além da concentração que gera o trio que age em Anda, Diana, a grande impressão causada também tem muito a ver com o facto de Diana não estar a interpretar uma coreografia feita por outra artista para ela, mas a atuar numa peça de criação própria, que casa uma necessidade existencial e humana com uma necessidade artística.


Anda, Diana pode ser uma história da queda, metáfora de todas as nossas quedas. Nela pode sentir-se a dependência dessa mulher que tem de andar, que quer andar, e que também é a nossa dependência.


Pode sentir-se o risco de uma beleza coreográfica em que Diana flutua na vertical e pelo ar, passível doutra queda, apenas apoiada no pescoço, num ombro, enganchada de um antebraço ou de uma parte só do corpo dos bailarinos, ou sujeita entre eles pela pressão dos corpos. Também podemos olhar assombrados o traço que desenham as suas costas contra o muro preto quando, mexida pelos bailarinos, dança com esse plano vertical. Um traço que desenha a caligrafia do mistério mais humano: enquanto há vida há movimento e pode haver dança.

 

FICHA ARTÍSTICA:

Direção artística: Diana Niepce

Interpretação: Diana Niepce, Bartosz Ostrowski e Joãozinho da Costa

Apoio à Dramaturgia: Rui Catalão

Desenho de luz: Carlos Ramos

Operação de luz: Pedro Noronha

Som: Gonçalo Alegria

Figurinos: Silvana Ivaldi

Fotografia: Alípio Padilha

Casa de Produção: Produção d’Fusão

Coprodução: TBA – Teatro do Bairro Alto

Residência de coprodução: O Espaço do Tempo

 

13º GUIdance, Guimarães. Black Box do Centro Internacional das Artes José Guimarães, 10 de fevereiro de 2024.


Afonso Becerra de Becerrea. Encenador, e dramaturgo em sentido amplo (criação, mas também, e muito, análise e reflexão sobre espetáculos e sobre as artes performativas). Professor na Escola Superior de Arte Dramática da Galiza. Diretor da erregueté e colaborador com rubricas sobre artes cénicas em diversos jornais, na Televisão e na Rádio galegas. Doutor em Artes Cénicas pela Universitat Autònoma de Barcelona. Licenciado pelo Institut del Teatre de Barcelona.

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