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Ligados às Máquinas: A orquestra que une tecnologia e inclusão musical

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COFFEEPASTE
3 de Dezembro de 2024

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Ligados às Máquinas: A orquestra que une tecnologia e inclusão musical

Hoje temos o gosto de conversar com Paulo Jacob, musicoterapeuta e a mente criativa por detrás dos "Ligados às Máquinas", um projeto pioneiro que combina tecnologia, inclusão e música para criar algo verdadeiramente singular: a primeira orquestra de samples composta por músicos em cadeiras de rodas. Nascido no seio da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), o grupo lançou recentemente o seu álbum de estreia, "Amor Dimensional", uma obra que transcende barreiras físicas e artísticas, fundindo estilos tão diversos como hip-hop, fado e música concreta.


Ao longo desta entrevista, Paulo Jacob leva-nos aos bastidores da criação do projeto, explicando como a tecnologia, como o hardware Makey Makey, e a participação ativa de cada membro permitiram transformar sons do quotidiano e identidades musicais em composições inovadoras. Vamos explorar os desafios técnicos e criativos enfrentados pela equipa, a inspiração para colaborar com grandes nomes da música nacional e o impacto transformador que este projeto tem na vida dos seus integrantes.


Mais do que um grupo musical, os Ligados às Máquinas são um testemunho do poder da participação, da criatividade e da inclusão. Nesta conversa, Paulo Jacob reflete sobre os valores que movem o coletivo e sobre uma iniciativa que desafia convenções e expande os horizontes da arte e da acessibilidade.


Como nasceu a ideia de criar uma orquestra de samples em cadeiras de rodas? O que te inspirou a dar início ao Ligados às Máquinas?

O que me levou, em primeiro lugar, a associar a tecnologia, pessoas com alterações neuromotoras e música foi mesmo a necessidade que tive, enquanto profissional, de criar respostas eficazes e oportunidades de participação para estas pessoas.


Trabalhei com o Serviço Educativo da Casa da Música durante alguns anos e, ao longo desse período, lidei com gente genial que integrava a tecnologia na composição ou performance musical. O que vi levou-me a reflectir sobre o papel que a tecnologia pode ter como recurso facilitador, na intervenção com pessoas com alterações neuromotoras graves, com especial atenção e enfoque nos casos de patologias neurodegenerativas. Criei, então, na A.P.C.C. uma actividade especializada que contemplava a concretização de projectos musicais personalizados, dirigido a um grupo de 25 utentes e facilitada através dos recursos tecnológicos (software e hardware). A resposta dos utentes ultrapassou as expectativas e criou-se, assim, a base para o desenvolvimento do “bichinho musical”.


Em 2012, tomei conhecimento de um hardware que permite transformar qualquer objecto do quotidiano (condutor de corrente eléctrica!) num controlador, e… Bang!… surgiu a ideia de criar uma “orquestra” de amostras musicais. A ideia foi partilhada com o grupo de utentes e, conseguimos reunir um grupo de 10 indivíduos para “dar asas” a este projecto.

 

Quais foram os principais desafios técnicos e criativos que enfrentaste ao usar dispositivos adaptados e softwares para permitir a participação ativa dos membros da orquestra?

Em primeiro lugar, a operacionalização do sistema de controlos individualizados mereceu uma atenção especial… cada indivíduo foi avaliado na sua componente funcional motora com o objectivo de se criar um controlador adaptado que permitisse, de forma confortável, activar um circuito eléctrico de baixa voltagem.


Após a definição das adaptações individuais, outro dos grandes desafios foi o processo de amostragem musical, que nos “obrigou” a ter de ouvir todo o material musical (cerca de 150 músicas) que os elementos do grupo traziam para as sessões.

 

Podes explicar um pouco mais sobre como se desenrola o processo criativo em grupo?

O processo criativo nos Ligados às Máquinas é um processo partilhado e colaborativo. Toda a gente participa na tomada de decisões (desde a selecção de amostras até à definição das estruturas musicais).

 

Como é que o hardware Makey Makey revolucionou o processo de criação para o grupo? 

O Makey Makey continua a ser a “pedra basilar” do grupo, do modus operandi e do seu trabalho musical. Foi através deste hardware que o grupo se formou e é através dele que temos a oportunidade de executar, em tempo real, a música que fazemos. A influência deste recurso, no contexto dos Ligados às Máquinas, não se manifestou directamente no processo de construção musical e no processo criativo mas, influenciou sim, enormemente o processo de participação individual e conjunta. Diria que a aptidões desenvolvidas para as questões associadas à criatividade passam, essencialmente, pela capacidade de resolução de problemas, de sugerir, pela motivação intrínseca e espírito de iniciativa de cada um para a construção, reflexão e definição dos resultados musicais.

 

Como é que a identidade musical de cada membro é incorporada nas composições? 

Enquanto musicoterapeuta, essa foi uma das primeiras preocupações… para iniciar um projecto musical destes, e para motivar os seus elementos, só fazia sentido se se pudesse integrar um “pouco de cada um” na construção musical. Para o fazer, foi lançado um desafio conjunto, no sentido de permitir que cada elemento pudesse trazer (para as sessões) as músicas e sons mais significativos da sua vida, partilhando-os, assim, com toda a gente. Este procedimento concedeu ao grupo a hipótese de, numa primeira instância, facilitar o processo de apresentação e conhecimento de todos os elementos e, numa segunda instância, de contribuir para a constituição de uma base de dados musicais do grupo.

 

Como surgiu a ideia de colaborar com tantos artistas nacionais no álbum “Amor Dimensional”?

A proposta adveio da nossa editora (a OMNICHORD) que, siderada com o trabalho do grupo, nos propôs, em primeiro lugar, criar composições para as poder apresentar no Festival NASCENTES (organizado pela OMNICHORD) e, em segundo lugar, gravar um disco… mas havia uma limitação enorme… a de gravar e editar um disco com repertório constituído por amostras musicais de compositores e artistas internacionais. Dado o número colossal de amostras musicais que integraram as primeiras 10 composições do grupo, seria impossível editar um disco sem consequências legais. Para colmatar essa questão, a OMNICHORD lançou a ideia de contactar um número considerável de artistas nacionais e, caso concordassem com o projecto, cederiam o material sonoro que entendessem. Foi o que aconteceu… 


Que impacto tem este projeto na vida dos membros do Ligados às Máquinas?

O impacto na vida elementos do grupo é significativo, dada a possibilidade que este lhes permite de participar numa actividade criativa; de serem cada vez mais autodeterminados, de se reconhecerem como elementos de um colectivo musical (sentimento de pertença), de serem valorizados e validados por quem assiste aos seus espectáculos (reconhecimento da pessoa enquanto agente cultural), de lhes dar perspectivas e objectivos de vida. Este é um projecto que, nas palavras dos elementos que o constituem, lhes dá um sentimento de realização e orgulho.

 

Que mensagem gostarias de transmitir ao público sobre a importância da inclusão e da acessibilidade na música e nas artes?

Gostaria de realçar que a Inclusão é um processo biunívoco, logo, só se faz com TODOS. Mais importante do que falar em Inclusão (que é, per se, um constructo social e uma idealização sobre o equilíbrio e a harmonia social, logo, uma “meta”) porque não falar de um outro conceito muito mais importante na evolução deste processo: o de Participação. A Participação é, segundo a Organização Mundial de Saúde (CIF, 2001) o envolvimento de um indivíduo numa situação de vida diária… a definição do conceito remete-nos, de forma universal, a todos os seres humanos mas, sabemos que uma parte significativa da população mundial se vê limitada em aceder, por motivos vários (de ordem económica; de saúde; de ordem cultural, estrutural / atitudinal, política, racial,…) ao direito de participar e, só quando TODOS estiverem no mesmo patamar de Participação poderemos falar em Inclusão.


No que respeita ao contexto das pessoas com deficiência, as artes (Música; Dança; Pintura; Escultura; Teatro,…) apresentam-se como um mundo de possibilidades participativas, onde o indivíduo tem a oportunidade de envolver, de forma integrada e salutar, todos os domínios que compõem o ser humano.

 

 “Amor Dimensional” mistura hip-hop, fado, rock, techno, entre outros estilos. Como se dá essa fusão de géneros, e como foi o trabalho para manter a harmonia entre estilos tão diferentes?

Bem, a ideia de misturar estilos musicais e sons díspares partiu, essencialmente, do respeito pela relação idiossincrática que cada elemento tem com as músicas e os sons mais significativos da sua vida. A ideia de integrar este tipo de recursos individuais era essencial para envolver os indivíduos no processo de construção musical. O meu papel, no meio de diferentes identidades sonoras e musicais, é o de facilitar e agilizar todos os processos que levam à participação musical. O desafio de misturar diferentes estilos e sons é, a meu ver, o mesmo método que pressupõe qualquer processo de criação: o de relacionar, no espaço e no tempo, os diferentes estímulos sonoros e musicais com o objectivo de criar estruturas e/ou formas. 

 

O que significa o título “Amor Dimensional”? 

O título do disco remete-nos, enquanto grupo, ao lugar dos afectos, àquilo que nos une enquanto colectivo: o sentimento fraterno que nos liga, o respeito colectivo e individual e a paixão pela música. É, portanto, um conceito que alude à multidimensionalidade afectiva.

 

Poderias contar um pouco sobre o conceito e como foi transformar esses momentos quotidianos em composições?

Durante algum tempo, referimo-nos aos temas do disco através de números (uma forma colectiva de nos organizarmos) mas, aquando da concepção/gravação do disco, começámos a reflectir sobre o que poderia transmitir a sequência de temas e, mais especificamente, cada um deles. Chegámos à conclusão que seria interessante o disco transmitir uma espécie de viagem simbólica no dia-a-dia de um ser humano, através dos sons e da música.

 

Qual tem sido a reação do público aos concertos que têm realizado?

A reacção do público aos concertos é sempre efusiva e de respeito pelo trabalho desenvolvido. Temos um espectro de reacções que se manifestam desde a simples vontade de dançar até ao ficar emocionado pela beleza e dimensão do que está a acontecer em palco.

 

Quais são os próximos passos para os Ligados às Máquinas? Já há planos para novas composições, colaborações ou até mesmo uma nova abordagem ao processo criativo?

O próximo passo será o de organizar alguns espectáculos de promoção do disco “Amor Dimensional”. Em termos criativos e artísticos, temos algumas ideias mas ainda não podemos desvendar.

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