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Antes de entramos na sala, onde vai ser apresentado o espetáculo Um cão de Sete Patas, somos convidados a tirar os sapatos e a colocar os nossos pertences numa antecâmara. No espaço cénico, o chão está coberto por uma colagem de papel pintado em tons de azul, com cortinados pretos em redor e, para além de um pequeno projetor de filmes, mais nenhum artefacto aparente (o que me faz pensar que o público poderá ser convidado a interagir).
A performer, Bibi Dória, entra em cena vestida com um figurino laranja, aponta para um lado vazio da cena e descreve um ambiente exterior, ao pé de uma muralha, onde realizou uma performance sentada e vestida de branco, em que relatava de início ao fim o filme brasileiro Copacabana Mon Amour, de Rogeiro Sganzerla. Depois, alude ao incêndio da Cinemateca Brasileira, por o governo de Bolsonaro não ter acautelado a sua preservação (será que o filme que ela decorou foi uma das obras perdidas no incêndio?).
Recorrendo a gestos e movimentos, Bibi descreve verbalmente os acontecimentos de Copacabana Mon Amour e identifica as personagens: “A Sónia Silk leva as mãos à cabeça (...) beija as mãos e os pés do sacerdote”, “ele pega uma galinha e passa” (procuro encontrar um fio condutor entre as personagens, tanto o narrativo como o simbólico).
Ela fala da cena e
m que ocorre um femicídio e a morte de um bebé. É quando se dá uma mudança de luz, que cobre o espaço cénico de um tom azulado. Escuta-se uma canção de Carnaval e a performer dança ao som da música. Na reconstrução desta cena, ela aponta para a colega a operar o som, no lugar do assassino (esta escolha estética é interessante, mas não percebo como é que se apoia na ação dramática).
Bibi Dória cita outros acontecimentos: a ida a uma livraria, uma conversa entre amigas sobre um filme bizarro, a intenção de fazer um filme sobre a pior estátua viva de sempre, uma denúncia de estupro escrita numa carta ao agressor, o assassinato de um músico, uma criança a comer feijão (tento criar uma ligação mental entre os relatos, mas devia ter dormido melhor antes de vir ao teatro).
A narração dos acontecimentos apela a um conjunto de simbologias: um colar de pérolas, um sonho com um crocodilo, as galinhas, o azul do chão (sinto o meu cérebro a perder a capacidade de conseguir visualizar as descrições e de procurar qualquer fio condutor).
Na descrição do sonho com o crocodilo, ela gatinha e avança como um réptil, abrindo um corredor entre o público no chão, ao estilo das águas separadas por Moisés (hesito antes de decidir mexer-me, estou toda partida).
Ela diz que o homem crocodilo a excita, entretanto dá-lhe uma boleia para outro sítio. Continua a caminhar e a falar. Às tantas, começa a rebolar pelo chão azul, refere uns amantes que também rebolam abraçados pelo chão, e fala de uma debandada de galinhas que se cagam de medo (viro-me e desloco-me no chão com muita dificuldade para não ser pisada por ela).
Há um filme projetado onde aparece um olho, uma cara com rugas, de uma avó, depois uma galinha, uma boca, pérolas (continuo a mexer-me várias vezes, devagar, à procura da posição certa).
Depois aparece uma cabritinha, a cabra engorda, fica grande e ganha sete patas. Aparecem muitas cabras, com muitas patas. A pele delas é de algodão-doce de cor azul (mas agora já estou no quarto a dormir, num sonho agradável e profundo).
Crítica apresentada no Seminário de Escrita Crítica para Artes Performativas, orientado por Rui Catalão, que decorreu nos dois fins-de-semana do #ETFEST 2024, festival onde são apresentados os projetos vencedores das Bolsas de Criação d'O Espaço do Tempo, com o apoio do BPI e da Fundação "la Caixa". Nos dias 29 e 30 de novembro, os participantes tiveram a oportunidade de assistir às estreias absolutas de FLOWERS!, de Mafalda Banquart / silentparty, e cão de sete patas, de Bibi Dória.
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