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A festa do cinema francês abriu com um filme dedicado a uma das personalidades mais acarinhadas pelo povo francês: Simone Veil.
Na abertura da festa do cinema francês, uma festa que atrai sempre muitos participantes e que homenageia a língua e a cultura francesas, foi lido um excerto do livro ‘Simone Veil, mon héroïne’ de Leïla Slimani (a premiada escritora e jornalista franco-marroquina, mas também diplomata francesa, na qualidade de representante pessoal do presidente francês Emmanuel Macron na Organização Internacional da Francofonia). A descrição, emotiva, da escritora lança o mote para um filme do realizador francês Olivier Dahan. Um realizador que parece ter um fascínio por filmes biográficos, como é o caso do galardoado ‘La vie en rose’ sobre a cantora francesa Edith Piaf, protagonizado por Marion Cotillard ou o fracassado ‘Grace of Monaco’ arrasado pela máquina trituradora de Hollywood.
Simone Veil, a viagem do século (‘Simone Veil, le voyage du siècle’) não é o primeiro filme que lhe é dedicado. O filme ‘La loi’, sobre a aprovação, em 1975, da lei que introduziu a regulação da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em França é mais um exemplo de uma película centrada na figura de Simone.
Veil, embora posicionada numa corrente conservadora dentro do espectro político francês, bateu-se por causas progressistas e de enorme vanguarda em matérias de direitos humanos com uma combatividade e verticalidade notáveis. É, por isso, admirada por todos os quadrantes. Mais que a disputa ideológica, a Veil interessava-lhe a defesa da justiça e da dignidade da pessoa humana. A mesma Simone que é presa por cantar ‘A internacional’ na juventude é aquela que se aproxima de uma direita liberal onde tantas vezes sente que não encaixa. Num comentário lapidar, à mesa, entre amigos de Antoine Veil, momento retratado neste filme, Simone resume bem a forma como se posiciona «desconfio da direita moralista e da esquerda sectária». Sempre se bateu pelos direitos das mulheres e enfrentou, sem temor, uma sociedade profundamente machista e patriarcal e fê-lo na esfera pública e no seio familiar. Disputou com o seu companheiro e pilar, Antoine Veil, o direito a trabalhar, a ser não só mãe de família, mas uma mulher trabalhadora e empenhada nas suas causas. «Vou ser advogada», «o que mais abomino são as injustiças», dizia. Face à incompreensão do marido perante o seu sonho, ser advogada e combater as injustiças, uma profissão que, segundo ele, não era adequada a uma mulher, seguiu a magistratura e seguiu a sua vocação num universo onde era vista com suspeição sem nunca se vergar. Também Antoine aprendeu com Simone uma realidade diferente do universo pleno de Debussy de que tanto gostava… Simone Veil, enquanto magistrada e ministra da saúde, contribuiu, decisivamente, para a melhoria das deploráveis condições sanitárias nas prisões, para o tratamento condigno dos doentes com HIV e empenhou-se na denúncia das injustiças tendo tido sempre um enorme sentido compromisso com a paz. A primeira presidente do Parlamento Europeu acreditava profundamente que a União Europeia era a única forma de evitar uma terceira guerra mundial, que os seus valores encerravam um projeto de paz urgente e necessário, e foi fiel a essa ideia. Denunciou as injustiças da guerra da Bósnia e Herzegovina sem complacências e com uma combatividade incómoda. Sobrevivente dos campos de concentração de Auschwitz, onde perdeu uma das maiores referências da sua vida, a mãe, Simone Veil denunciou o holocausto e bateu-se contra o revisionismo histórico que apagava ou menorizava as atrocidades que foram cometidas contra homens, mulheres e crianças judias e ciganas e membros da resistência. Não tolerava o racismo e a xenofobia e guardava nas suas palavras a tenacidade feita de um percurso duríssimo ao qual resistiu. E era essa força que a fazia dizer que não tinha medo dos insultos de Le Pen nos jornais, das cartas ameaçadoras que recebia ou dos apupos violentos da extrema-direita quando prestava declarações. Agnóstica, Simone tinha herdado do pai a defesa acérrima da secularidade, da separação da igreja e do Estado e batia-se pela igualdade e pelos direitos sociais. A sua força, combinada com a sua beleza e elegância, está muito presente neste filme que oscila entre a leveza da sua infância burguesa e muito feliz em Nice com o mundo cruel que descobriu quando foi levada, aos 16 anos, para o campo de concentração com a mãe e a irmã. A fotografia belíssima do filme e os planos oscilam entre esses dois mundos: entre as vitórias de Simone, as suas enormes conquistas sociais e políticas e as suas dores mais profundas, sobretudo a perda da mãe e da irmã.
O filme tem a subtileza e a dureza, a luz e a sombra, espaços onde Simone se movia na esperança sempre de ser útil, de transformar, de melhorar. Poder-se-á dizer que é um filme apologético de Simone Veil. Os mais amargos poderiam dizer que não tem nenhum rasgo de genialidade que o distinga de tantos outros filmes biográficos. Talvez. Certo é que se trata de um retrato tocante e esteticamente impressivo de um percurso que não só é relevante como é inspirador, sobretudo no momento histórico turbulento e polarizado como o que vivemos. Este filme tem sido um sucesso de bilheteira e percebe-se a razão.
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