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Michael Turinsky mobiliza a precariedade do corpo humano como objeto de registo e potência de mudança.
A cadeira de rodas em que Michael Turinsky entra a empurrar um carrinho minibar, é prontamente abandonada a um canto do linóleo branco. Na conferência-performance dividida em três atos, aquele assento de locomoção, normalmente associado a limitação e dependência, é absorvido como dispositivo cénico e relegado ao estatuto de adereço inane pelo palco do TBA – onde o teórico e performer apresenta-se dias 25 e 26 de setembro, e conversa com a artista Diana Niepce no final da primeira sessão.
Turinsky aproveita-se da impressão de cadeira vazia à espera do ocupante, para convertê-la numa testemunha inerte e objeto crítico da compreensão de mobilidade, mobilização e liberdade. O chiar das rodas e o tilintar dos copos servem uma primeira imagem da tensão externa / interna dos conceitos.
Para fazer jus à proposta, circular de joelhos daí em diante não deve encarar-se, sem mais, como um prodígio ou favor ao domínio da verticalidade: a ancoragem do performer ao chão e a visão colocada a esse nível, abrem sobretudo possibilidades de reconfiguração do espaço e de libertação coreográficas. A postura afasta-se dos pressupostos de execução “válida” do movimento e anula a convergência entre “palco” e “ausência”, quando se trata de apresentar corpos não verticais. “Don’t be shy”, pede-nos mais à frente, pelo seu pé.
O texto questiona essa tomada de posse e explora a dialética entre gesto, ambiente e expectativa: “Sinto-me bastante independente até à periferia entrar”, desabafa Mickael, enquanto se ocupa das peças de uma pista de comboios despejada pouco antes. Quando os últimos carris não encaixam por não estarem na ordem das instruções, a montagem é abandonada sem culpas, numa deixa que reverte a correspondência rígida, a linearidade e o controlo. Assumir o desencaixe expõe a natureza arbitrária da ordem: ao sobrepor movimentos tão determinados, como de causalidade incerta, a empreitada prolonga o que é voluntário e desmantela a ideia de acidente e organização. Acima disso, parece recordar que o sucesso das intenções e dos sujeitos, é normalmente moldado pela insistência numa vocação da matéria, do corpo e da ação.
Expressão desses discursos, o artista serve-se de slogans históricos aparentemente progressistas e inclusivos (“O socialismo só pode chegar de bicicleta” – ou de “cadeira de rodas”, na sua versão), para questionar o capacitismo latente, ou recreativo, de revoluções que idealizam certos físicos e movimentos, como mais capazes de gerar transformação social.
O “I’ll be back in a second” repetido entre entradas e saídas abruptas de cena, ilustra as falsas partidas da transformação e acentua a espera. De forma mais evidente, parar e retomar interrompe a fluidez e suspende o sentido do espetáculo – caricatura da eficiência e da produtividade, impostas pela constante necessidade de ultra-adaptação dos corpos.
Noutro plano, as pausas introduzem uma contemplação forçada – aspeto subestimado, ou negado, à pessoa com deficiência, a quem frequentemente se imputa introspeção diretamente ao esforço físico para controlar o movimento, e que consumiria de alguma forma o intelecto.
Mas como se até ali só estivesse a falar noutra língua, o teórico pergunta afinal: “Como se relaciona isto com coreografia? Como conciliar a Resistência e a mobilidade com a coreografia? Porquê o foco na organização?”
As questões apontam a um entendimento de coreografia como mera «arte de fazer danças» (na definição de Doris Humphrey, pioneira da dança moderna), e propõem em alternativa um “método de organizar a mobilização, a mobilidade, o movimento”, que possa contrariar a visão de gestos desviantes como atos isolados sem discurso.
Para desfazer a tese de que o “movimento orgânico” seria oposto à “necessidade de organização não espontânea do movimento”, do corpo não-normativo, Turinsky ironiza estados comuns, pouco espontâneos, que implicando outra tanta resistência do sujeito à sua própria tendência, não serão por isso menos “orgânicos” (como “Sair da cama antes das 11h, sem o pequeno-almoço servido por um assistente”). A proposta alargada é repensar, “reorganizar” e “reordenar” a estrutura, e o modo como podemos mover-nos conjuntamente. “O que queremos quando desejamos «liberdade de movimentos»?”
Às voltas num carro elétrico cor-de-rosa e voz em auto-tune, Mickael canta a meio da peça num tom agónico que atravessa qualidades e lembra a volatilidade fundamental das coisas (“estou a cair…estou a mergulhar…sou um rastejante…estou a conduzir...estou em chamas… não aguento isto…sou um homem”). A corrida dirige-se ao “fetiche da velocidade contra as forças sociais de imobilização”. A velocidade aligeira a letra, em troca da vertigem. No ato final, o performer aproveita-se dessa alternância em movimentos descarnados que ignoram o metrónomo que se ouve abandonado, como o comboio no chão. De costas, reaproxima-se da cadeira. E segue.
Precarious Moves - Michael Turinsky
TBA - Teatro do Bairro Alto
Foto de Michale Loizenbauer
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