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Paulo Catrica: entre a fotografia e o cinema

Por

 

COFFEEPASTE / Pedro Mendes
March 9, 2025

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Paulo Catrica: entre a fotografia e o cinema

Com uma trajetória consolidada na fotografia e na investigação, Paulo Catrica estreia-se na realização cinematográfica com Vivi Nascosto Guido Guidi, um documentário que revela a vida e obra de Guido Guidi, um dos grandes nomes da fotografia contemporânea. O filme, que surge de uma longa relação entre Guidi e Paula Pinto, curadora e investigadora, reflete sobre a forma como o fotógrafo italiano construiu uma linguagem visual singular, influenciando gerações de artistas.


Nesta entrevista, Paulo Catrica fala sobre o processo de criação do documentário, os desafios de transpor a linguagem fotográfica para o cinema e a relevância de Guidi no panorama artístico. Além disso, partilha a sua visão sobre a fotografia contemporânea em Portugal e os caminhos que pretende explorar no cinema.


O que te motivou a realizar um documentário sobre Guido Guidi?

Tenho uma profunda admiração pela cultura italiana do pós guerra, e na fotografia o trabalho de Luigi Ghirri, Gabriele Basilico e Guido Guidi são referências muito importantes na minha formação.  Tive a oportunidade de ser assistente do Basilico em 1999, com quem mantive uma amizade até á sua morte em 2013.  Em pareceria com o Pedro Bandeira, como curadores de uma exposição integrada na Capital Europeia da Cultura 2012, convidamos o Guido para fotografar em Guimarães.  O Guido só aceitou o nosso convite por causa da relação de amizade e proximidade que tem com a Paula Pinto e com o Joaquim Moreno. Para nós ter o Guido a fotografar em Portugal pela primeira vez foi um privilégio.


Mais tarde em 2014 surgiu a ideia – em conversa com a Paula, de gravar de algum material em vídeo com o Guido,  por ocasião da montagem da exposição Tomba Brion no CCB, com curadoria da Paula e do Joaquim. A Paula tem desenvolvido um trabalho de investigação e de curadoria muito sério e comprometido desde há muitos anos com diversos artistas e conhece profundamente o trabalho do Guido. Em conversa com ela a ideia de reunir material para um filme foi ganhando forma. Em finais de 2018 através de um pequeno apoio do programa Criatório da Câmara Municipal do Porto – que a Paula obteve, e de um donativo da Katherine Bash e do Duncan Kennedy – dois amigos de Londres, foi possível  planear uma primeira viagem a Cesena na Primavera de 2019. No final desse ano apresentamos na Universidade Católica, por ocasião de uma exposição do Guido – com curadoria da Paula e do Joaquim, uma maquete de 18 min. de um hipotético filme. O terceiro elemento do filme que nos acompanhou desde 2014 foi o Aurélio Vasques, que fez câmara e editou sempre todo o material.


A motivação para mim foi a de fazer um filme que permitisse juntar a voz do Guido às suas fotografias, com a expectativa e a ambição de revelar a singularidade da sua obra e do seu percurso como artista.


Necessito ainda de nomear outros artistas decisivos para o filme, a Renata Sancho e a Cedro Plátano, o Hugo Leitão, o Vítor Rua, a Agnese Nascinbem.

 

Como foi o processo de aproximação e colaboração com Guido Guidi e Paula Pinto?

A Paula foi decisiva em todo o processo do filme, sem ela não existia filme.

Como conhecedora profunda do trabalho do Guido ela foi a interlocutora das conversas, conduziu e instigou as conversas sendo decisiva para a estrutura do filme.  Foi o trabalho anterior da Paula que nos permitiu aproximar do Guido, o que creio se sente no filme. 

Noutro plano, o das imagens, a contribuição e a experiência do Aurélio durante a rodagem foi determinante ao propor e alterar algumas das situações.

 

O título do documentário, VIVI NASCOSTO, refere-se a uma citação de Epicuro. Como é que essa ideia de "viver escondido" se reflete na obra de Guidi e na abordagem do documentário?

A citação do Epicuro estava transcrita num dos armários arquivadores do atelier do Guido, na primeira viagem a Ronta em 2019. A Paula encontrou-o e pareceu-nos a alegoria perfeita para o filme. Os armários do Guido estão repletos de citações e de referências.


A citação de Epicuro pareceu-nos reflectir a prática artística do Guido, como ele próprio diz no filme trabalhou sempre a partir da ‘sombra’. Sendo verdade que sua produção artística foi sempre intensa, contínua e persistente, a sua obra ganhou hoje a atenção e a exposição que não teve nas primeiras três ou quatro décadas. Não obstante o Guido ter sido sempre um fotógrafo de culto, conhecido e reconhecido nos circuitos da fotografia.  A casa-atelier-arquivo é o território do filme, e o motivo de muitas das suas fotografias e dos seus livros, de certa forma o encontro com a citação de Epicuro ajudou-nos a pensar a estrutura do filme.

 

Que desafios enfrentaste ao transpor para o cinema a linguagem fotográfica de Guido Guidi?

É difícil mostrar fotografias em filme. O tempo de ver e de rever uma imagem impressa ou o tempo de a ver em filme é distinto, Peter Wollen dizia que o cinema é como o fogo e as fotografias como o gelo.


A primeira dificuldade foi a de encontrar uma estrutura para o filme e de definir os diferentes tempos de cada sequência. Somos guiados pela voz e pelos gestos do Guido, as suas mãos trazem-nos as fotografias e os livros, e depois as conversas com os outros artistas, alunos e amigos, introduzem micro histórias do seu trabalho e da sua vida. O facto de o filme decorrer quase sempre no espaço circunscrito do seu atelier foi outro obstáculo que tivemos de considerar na edição.

 

Como esperas que este documentário contribua para a compreensão do trabalho de Guidi?

Um filme biográfico, como qualquer narrativa ou interpretação é sempre incompleto. Para os fotógrafos o filme é muito estimulante... e tenho a expectativa que o filme seja motivador para reconhecer e procurar conhecer mais do trabalho do Guido.

 

Referes que Guido Guidi é um fotógrafo de culto e uma influência na tua geração. Como sentes essa influência no seu próprio trabalho?

O Guido estudou pintura, arquitectura e fotografia, mas nunca terminou nenhum curso na universidade, mantêm a liberdade de um autodidacta. No filme  nomeia as suas referências ao falar do seu percurso, de Atget a Evans, a fotografia americana da segunda metade do sec.XX, Italo Zanier ou alguns dos seus professores em Ravena ou em Veneza, e o modo como estes contribuíram para  o seu entendimento de como fazer - Jean-Claude Lemagny, um historiador e curador francês definiu Guido como um conceptual naif.


Creio que esteve sempre um pouco á frente do seu tempo como o comprova a recepção do seu trabalho hoje pelas gerações de jovens fotógrafos.

 

A obra de Guidi tem um forte diálogo com a arquitetura e a paisagem. De que forma a tua abordagem à fotografia se aproxima ou se distancia da dele? Há algum projeto teu que consideres particularmente inspirado por Guidi?

O Guido é muito peculiar e imprevisto, criou uma linguagem visual muito rara e original. Sem margem de dúvida é um dos artistas de referência do meu trabalho, admiro a sua persistência o modo como incorpora e considera o erro, o modo com quebra a disciplina formal no modo de usar as máquinas de grande formato e uma enorme liberdade nas escolhas e no regime de editar as fotografias. O modo como o seu trabalho remete para o potencial discursivo e alegórico das fotografias foi muito importante para mim, fez-me desconstruir alguns dos preconceitos que mantinha no meu trabalho.  E claro o modo como reúne as fotografias em livro.

 

Esta foi a tua primeira incursão no cinema. O que mais te surpreendeu nesta experiência?

Eu trabalhei em vídeo nos anos oitenta, fazia câmara e edição de uns clips... com o José João Àgueda, o João Cayatte e o João Andrade, com os Xutos & Pontapés e uns clips para o programa da RTP2 o “Já Está”. Fui ainda coordenador de produção de uma produtora, a Latina Europa, uma belíssima escola num tempo de poucos recursos e muita imaginação. Fiz filmes institucionais e educativos mas nunca tive a coragem para arriscar um filme. A Paula e o Aurélio foram muito importantes para ter a iniciativa de arriscar, e depois a Renata e a Cedro Plátano.

 

Que diferenças e semelhanças encontraste entre contar uma história através da fotografia e do cinema?

As fotografias são muito imperfeitas, estáticas e mudas, e o trabalho como fotógrafo é muitas vezes solitário e individual. Em filme é sempre colectivo, o que é um desafio enorme. Tens de sempre de ouvir para decidir, filmar é um momento muito intenso.


Interessa-me muito editar fotografias em filme, ou trabalhar o som como imagem. E as capacidades narrativas da voz para além da figura da pessoa, o que aprendi com os filmes da Susana Sousa Dias.  Na montagem de um filme, tal como na escrita, decides a duração da narrativa, nas fotografias condensas, sintetizas.


Por exemplo no nosso filme as transições e o som são decisivos para a narrativa, a sonoplastia do Hugo Leitão e banda sonora do Vítor Rua acrescentaram uma densidade incrível ao filme.

 

Pretendes explorar mais o cinema no futuro? Se sim, que tipo de projetos gostarias de desenvolver?

Sim, se conseguir ter energia para convencer alguém a acompanhar-me e conseguir financiamento. Nos últimos dez anos fui investigador integrado no Instituto de História Contemporânea, na Universidade Nova de Lisboa onde trabalhei essencialmente sobre história e fotografia a partir da ideia de paisagens de lugar comum. Interessa-me em particular trabalhar a relação entre as paisagens lugares, a memória, a história oral e imagens de arquivo. Interessa-me o som e a voz como narrativa e imagem. Os filmes que podem ter a forma de documentários ou de ensaios, parecem-me o meio privilegiado para juntar  investigação e criação.

 

Como vês a evolução da fotografia contemporânea em Portugal?

A fotografia de autor em Portugal alterou-se radicalmente nos últimos quinze anos. Há muitos jovens artistas fotógrafas/os, escolas, workshops, exposições, edições... etc. Ironicamente parece que se faz mais com menos, ou seja, as instituições têm poucos meios, os fees dos artistas são muito baixos ou inexistentes, os custos de produção aumentaram substancialmente, parece tudo um castelo de areia à espera que a maré suba. Mas é um facto que existem muitas/os artistas jovens muito interessantes e comprometidos, qualitativamente as coisas melhoraram, o que é positivo.


No entanto a ‘big picture’ parece demasiado frágil é preciso insistir e resistir.

 

O que consideras essencial para um fotógrafo que está a iniciar carreira hoje?

Sem formação é muito difícil, por isso deve estudar sempre. Conhecer a história e a cultura visual de forma a desenvolver um pensamento crítico e político do modo como deve pensar e fazer fotografias.


Identificar possíveis interlocutores, outros artistas, associações, instituições, concursos, residências artísticas, curadores, etc. 


É muito importante fazer colectivamente com outras e outros artistas que partilhem afinidades e tolerância. Devem esforçar-se para estar atualizados, atentos e críticos quanto às alterações constantes na produção e na circulação das fotografias.

 

Entre os teus vários projetos, há algum que consideres particularmente marcante na tua trajetória?

Sim alguns foram decisivos,  a primeira encomenda da Teresa Siza, do Centro Português de Fotografia para fotografar as Periferias do Porto – a quem enviei uma caixa com umas prints e que me convidou para fazer uma exposição individual e um catálogo. Outros permitiram-me testar e consolidar  um  certo entendimento em como fazer, como o projecto do Futebol em 2003-04, com a Luísa Costa Dias, ou o do Teatro São Carlos, com outra pessoa muito importante para mim o Carlos Vargas. Estes projectos foram importantes porque me permitiram conhecer e trabalhar com pessoas que foram marcantes na minha vida e no meu trabalho. 

 

 Foto: © Paulo Petronilho (25.4.2024)

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