TUDO SOBRE A COMUNIDADE DAS ARTES

Ajuda-nos a manter a arte e a cultura acessíveis a todos - Apoia o Coffeepaste e faz parte desta transformação.

Ajuda-nos a manter a arte e a cultura acessíveis a todos - Apoia o Coffeepaste e faz parte desta transformação.

Selecione a area onde pretende pesquisar

Conteúdos

Classificados

Notícias

Workshops

Crítica

Entrevistas

Rafael Ligeiro e o último encore do Rock Rendez Vous

Por

 

COFFEEPASTE / Pedro Mendes
March 5, 2025

Partilhar

Rafael Ligeiro e o último encore do Rock Rendez Vous

O Rock Rendez Vous foi mais do que uma simples sala de concertos – tornou-se um marco incontornável na história da música portuguesa. Entre 1980 e 1990, este espaço em Lisboa acolheu algumas das mais icónicas bandas nacionais e internacionais, deixando uma marca profunda na cultura alternativa da época.


Trinta e cinco anos depois do seu encerramento, essa memória ganha nova vida em Encore - a partir de Rock Rendez Vous, um espetáculo escrito e encenado por Rafael Ligeiro, em cena no CAL – Centro de Artes de Lisboa de 6 a 16 de março.


Com uma abordagem que mistura teatro e música, Encore transporta-nos para um espaço suspenso no tempo, onde os espectros de uma banda fictícia habitam a repetição infinita de um último concerto. Partindo das histórias e da energia que marcaram o Rock Rendez Vous, Rafael Ligeiro constrói uma reflexão sobre o que fica dos lugares icónicos e do impacto que têm na vida das pessoas.


Nesta conversa, o autor e encenador fala-nos sobre a génese do espetáculo, os desafios de recriar o espírito do RRV e o significado deste “último encore”.


O que te motivou a criar um espetáculo inspirado no Rock Rendez Vous?

Este espetáculo surge como um desafio da produtora Telma Grova que, devido ao seu fascínio pelos anos 80, me propôs que escrevesse uma peça focada neste período, que tivesse como base sonora o rock produzido em Portugal durante essa mesma década. Chamo-lhe desafio porque este universo com o qual viria a trabalhar me era algo desconhecido, distante. Como forma de me introduzir a esta época comecei por folhear as páginas do livro “LX80: Lisboa Entra Numa Nova Era”, de Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes, nas quais me cruzei pela primeira vez com este espaço: o Rock Rendez Vous. O nosso encontro foi um puro acaso e, acho que por intuição, senti-me atraído pelo magnetismo da história deste espaço que se viria a revelar muito maior do que aquilo que eu previ ao início. Ganhei um fascínio por estas paredes e decidi criar o espetáculo no momento em que encontrei uma parede que não conseguia decifrar: a do seu fim. Não era certo como tinha fechado um espaço tão icónico e importante para a cena cultural portuguesa e por isso decidi criar o Encore, aquilo que vejo como um hipotético fim de um espaço que não teve um.


Como surgiu a ideia de retratar a memória do espaço através de “espectros de uma banda sem tempo certo”?

Em conversa num café com um dos atores deste espetáculo, o Duarte Romão. Antes de começar a escrever tive algumas conversas com este ator e amigo e juntos discutimos sobre o que poderia ser um texto que também ele fosse “rock”. Num destes encontros debatemos precisamente sobre a dimensão da memória, dimensão essa que concluímos não me pertencer por impossibilidades do próprio tempo: eu tenho 23 anos e o espaço fechou 11 anos antes de eu nascer. Sinto que não me posso lembrar de memórias que não tenho, então decidi que o exercício seria ficcional e que assumiria a ficção na própria criação do texto e das figuras que o diriam. Se as palavras que iria escrever seriam ditas por atores que não pertenceram aos anos 80 então não queria falsear este exercício de memória, não o queria tornar numa pretensão de uma verdade que não pertencia a nenhum de nós. Por isso surgiram esses espectros sem tempo certo, figuras que nunca existiram no palco do Rock Rendez Vous, mas que ao mesmo tempo beberiam do espírito de uma época muito específica, ficando assim no limbo entre os eventos dos anos 80, os espectros de um espaço encerrado em 90 e o olhar de pessoas que existem hoje.


Qual foi o maior desafio em transformar a história deste icónico clube de rock num espetáculo teatral?

A criação de um sistema de referências formado a partir das bandas, momentos, frases, músicas, figuras e histórias do Rock Rendez Vous. Ao criar este espetáculo dei por mim a criar este sistema que serviu como mecanismo de escrita na formulação das falas e da narrativa não linear desta peça. Em cada página de texto encontramos referências ao universo do RRV e ao universo dos anos 80 fora desta icónica sala de espetáculos. O desafio deste sistema foi torná-lo dispensável para o entendimento do texto. Torná-lo em fala num seguimento lógico. O texto deve ser entendido sem a necessidade de compreender as referências intrínsecas ao próprio. Quem as apanha tem esse conhecimento, mas quem não as apanha, aprecia o mesmo espetáculo que os restantes,

tornando o texto acessível a todos, conhecedores do rock dos anos 80 ou não conhecedores. É uma história sobre o fim de algo e isso todos conhecemos.


O espetáculo fala sobre um espaço que “não teve fim” e sobre uma banda presa numa repetição perpétua. Como usaste o teatro para transmitir essa sensação de intemporalidade?

“Encore”, ou ainda, outra vez. Esta palavra, que serve como título desta peça, serve também como mote de criação deste espetáculo. “Encore” é um espetáculo cíclico que parte de quatro figuras de uma banda que não existiu, que repetem o fim deste espaço uma e outra vez. O que vemos, quando nos sentamos a assistir, é apenas uma de infinitas vezes que aqueles espectros viveram o encerramento deste espaço, tentando dar-lhe um fim próprio. Apenas uma coisa é diferente, a presença do Tó Melga, personagem inspirada no DJ do RRV, que rompe com este ciclo que prendia os restantes quatro e que desencadeia os acontecimentos que constituem aquilo a que chamamos o encore, a última parte de um concerto, de um espaço que teve tantos, menos o último. A proposta de criar um último concerto é apresentada no próprio texto, as personagens lidam com este espaço sem fim procurando dar-lhe uma resposta, um concerto final e enquanto propõem e idealizam este concerto já o estão a dar, propondo uma ação futura (o encore) que se concretiza no presente, pois todo espetáculo é o encore que estão a propor, o último concerto.


A peça mistura ficção e realidade. Há referências diretas a bandas e eventos históricos do Rock Rendez Vous?

Sim, o texto é feito de referências constantes e bastante óbvias para quem viveu esta época, e também de algumas mais escondidas ou disfarçadas, mas é um espetáculo altamente referencial. Ocaso Épico, UHF, Xutos e Pontapés, Pop dell’ Arte, Damas Rock, Mão Morta, entre outros, todos pertencem a este espetáculo.


Como foi trabalhar com os músicos e integrar a componente sonora no espetáculo?

Os músicos com quem tive o prazer de trabalhar são artistas excelentes que chegaram à visão do espetáculo com muita facilidade e que criaram toda a atmosfera sonora durante os ensaios com mestria. Todos dominam o seu respetivo instrumento e tocam a seleção musical deste espetáculo com imensa destreza e bom gosto, tanto nas músicas que todos conhecemos desta época, como nos originais que criámos para este espetáculo, sempre com a ajuda do Paulo Félix, o nosso arranjador. Diria que o processo de integração da componente sonora passou por algumas fases, primeiro a seleção musical, depois o seu posicionamento no espetáculo, os arranjos e a concretização dos mesmos pelas mãos destes 3 músicos em palco. Além de músicos, são artistas com uma consciência cénica muito apurada e foi também por isso fácil integrar diversas movimentações e ações no espetáculo que pertencem à banda, fazendo deles, membros deste espaço sem fim além de músicos apenas. Os ensaios de música inicialmente foram separados dos ensaios com os atores e quando considerámos ter o universo sonoro pronto juntámos as duas componentes que funcionaram de forma muito certa. Deixo também um elogio à sensibilidade de todos, pois todos os dias improvisam uma peça musical durante o espetáculo, de cerca de 6 minutos, que acompanha uma secção do texto de dois monólogos que é diferente todos os dias e que depende da comunicação entre os músicos e os atores.


Para quem não viveu a era do Rock Rendez Vous, como esperas que este espetáculo os impacte?

Talvez que os deixe curiosos sobre este espaço. Acho que não posso pedir mais do que interesse, o resto estará fora das minhas mãos, mas fico feliz se o que ficar deste espetáculo for um genuíno interesse por este espaço icónico. Enquanto espetáculo de teatro, acho que vive por si e por isso espero que as pessoas passem uma boa hora a ver aquilo que criámos, mas não crio expectativas quanto ao impacto.


Achas que ainda existe um espírito semelhante ao do RRV na cena musical e cultural de Lisboa hoje?

Não. O RRV é único, irrepetível, completamente situado num contexto político, social e temporal muito específicos e impossíveis de recriar. É esse o seu fascínio, não poder existir outro.


Se o Rock Rendez Vous ainda existisse, como imaginas que seria?

Um espaço demasiado barulhento e incómodo à espera de ser encerrado para a construção de um novo hotel, ou de uma basílica se calhar. Mas numa espera resistente, algo rock.


Foto: © Rita Marques

Apoiar

Se quiseres apoiar o Coffeepaste, para continuarmos a fazer mais e melhor por ti e pela comunidade, vê como aqui.

Como apoiar

Se tiveres alguma questão, escreve-nos para info@coffeepaste.com

Segue-nos nas redes

Rafael Ligeiro e o último encore do Rock Rendez Vous

Publicidade

Quer Publicitar no nosso site? preencha o formulário.

Preencher

Inscreve-te na mailing list e recebe todas as novidades do Coffeepaste!

Ao subscreveres, passarás a receber os anúncios mais recentes, informações sobre novos conteúdos editoriais, as nossas iniciativas e outras informações por email. O teu endereço nunca será partilhado.

Apoios

03 Lisboa

Copyright © 2022 CoffeePaste. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por

Rafael Ligeiro e o último encore do Rock Rendez Vous
coffeepaste.com desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile