Conversámos com o actor, dramaturgo e encenador Tiago Mateus, acerca do seu percurso e das suas ideias sobre o teatro. Também nos falou do seu mais recente trabalho, "Tríptico de Fé, desesperança e superação”, cuja primeira parte está em cena no CAL - Primeiros Sintomas até 2 de junho de 2019. A segunda parte estará em cena naquela sala de 12 a 23 de junho.
Fala-nos um pouco do teu percurso.
Assinalo este ano 20 anos do meu percurso no teatro. Comecei estava eu no 9º ano e tive a sorte de trabalhar textos do Professor Agostinho da Silva. Depois (mais uma vez me considero sortudo) fui para o ensino secundário onde existia um grupo de teatro que contava com a forte e exigente colaboração do Ávila Costa. Fiz três peças nesse período, tendo sido a última delas um texto meu sobre a viagem de um dia em Lisboa. Estou a explanar o início porque acho importante relevar o ímpeto inicial que me conduziu para esta doença benigna que é o teatro. Na verdade aconteceu tudo com a maior da naturalidade porque nunca fui grande estudioso. Nem hoje sou; pelo menos a nível académico. E por isso, esse ímpeto inicial, considero que me tenha levado a uma espécie de tragédia luminosa – como lembro de ter ouvido o Luís Miguel Cintra ter dito um dia que: “no teatro não há lugar ao Sol.”.
Segui para a Escola Superior de Teatro e Cinema (Ramo Actores) tendo sempre desenvolvido trabalho fora da escola. Não cheguei a concluir o curso.
No meu percurso profissional sempre fui arrancando, evoluindo e aprendendo com as pessoas com quem me fui cruzando, tenham sido elas profissionais das artes ou pessoas aparentemente fora do âmbito artístico.
Que dizer mais?… Estreei a minha primeira criação A Pomba de Guernica em 2004 e lembro de ouvir uma amiga da minha irmã, com as lágrimas nos olhos após o espectáculo, dizer-me: “ainda vou ouvir falar muito de ti.”. Talvez tenha acontecido, mas não da forma como essas palavras foram intencionadas!
Nos últimos anos tenho direccionado o meu trabalho na escrita de textos e na sua encenação.
Como chegaste ao texto do “Tríptico de Fé, desesperança e superação”?
Na verdade são três textos diferentes e foram escritos em diferentes alturas e com diferentes propósitos. O Não Estava à Espera de Morrer foi por um convite de uma pessoa para escrever, no caso do Milagre foi por ter sido insuflado criativamente pelo trabalho desempenhado de uma jovem actriz. O Estamos Aqui não me lembro.
A ideia de os juntar veio depois. Mas existe muita matéria e éter que os liga. A ordem em que estas peças são apresentadas foram definidas no trabalho com os intérpretes.
Qual a principal mensagem que queres transmitir com os textos?
Isto dá pano para mangas, mas vou tentar sintetizar. Os textos versam sobre a relação que temos connosco próprios, com o outro e com o mundo; sobre a fé (num sentido livre de qualquer convenção); sobre o esquecimento de si e do outro – a memória. Versam sobre o atribuir valor à vida e ao amor num tempo em que existe tanta confusão e ruído. Versam sobre redenção e superação. Induzem a uma transgressão dos limites que impomos a nós próprios e que nos são impostos.
Existir é um desafio?
Para mim é!, e sei que todos temos as nossas lutas. É tudo uma questão de escala. Podemos falar de fome e doença ou de gente que o principal problema que tem na vida é não gostar das suas sobrancelhas. O importante que me parece a mim compreender é que cada pessoa deverá agir com a maior responsabilidade e ética que for capaz consoante cada contexto, cada cenário, cada equação. O meu trabalho enquanto criador é apenas mais um pormenor da minha responsabilidade de existir. A responsabilidade é um desafio e a exigência surge perante quem a suporta. Passo a passo vamos encontrando o nosso caminho. O mundo não vai acabar e é bom que não acabe.
Enquanto encenador, o que procuras num actor?
Procuro a pessoa. Não faço audições. Quero ver a pessoa na relação com os seus próprios impulsos de expressão no trabalho.
Neste processo a Sofia Fialho e eu tivemos duas situações que acho que ilustram muito bem isto: houve um ensaio com a Sofia em que apenas trabalhámos meia hora. Pensei: “para quê trabalhar se a vida dela já fez o trabalho todo?”. E outra situação em que lhe transmiti que o que procuro não é a “Sofia cénica”, mas ela mesma, a Sofia que conheço a dizer aquilo, com toda a transgressão monstruosa e de resistência que é fazer arte com o que somos.
Como vai o Teatro em Portugal?
A meu ver, muito mal. Há excepções. Poucas. Parece-me que de uma forma geral anda tudo atrás do que se fala e vê na televisão; muitas vezes pela forma, muitas vezes pelo conteúdo. Às vezes há quem tente combater a mediocridade, mas com a mediocridade; resultado: apresenta-se um trabalho medíocre. É tudo fácil, rápido, espectacular na televisão; sempre sedenta de sangue. E até, de uma forma geral, a principal entidade que apoia as artes vai também atrás dessa moda que considero absolutamente bárbara. Não tenho medo de o afirmar e acho que eu próprio não estou a dizer nenhuma barbaridade, mas há excepções, há excepções.
Os burocratas mandam em tudo e os artistas têm de comer…